Lula: “Juiz que depende da imprensa para condenar não é juiz”
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Lula: "Juiz que depende da imprensa para condenar não é juiz"

22 de maio de 2019
Lula:

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Preso há um ano e três meses na sede da Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva foi finalmente entrevistado pelo jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil. Essa foi a terceira vez que Lula conversou com a imprensa, depois de ser impedido pela Justiça Federal de conceder entrevistas a qualquer veículo de comunicação em 2018, ano eleitoral em que o petista saiu na frente todas as vezes que teve seu nome associado às pesquisas.

A entrevista durou uma hora em razão da rigidez protocolar da Polícia Federal. Durante a conversa, Lula, que só recebe a família uma vez por semana na prisão, além dos advogados, disse estar suportando o local "sem ódio e com esperança." O ex-presidente iniciou a conversa criticando o mecanismo de delação premiada, que concede benefício legal a um réu que colabore com investigações. Para ele, mentiras são contadas milhares de vezes ao mesmo tempo por meio do instrumento.

"A senha é tentar falar do Lula. Isso já faz cinco anos. Você sabe que eu estou aqui e que nem o juiz, nem o procurador, nem o delegado da Policia Federal que fez o inquérito, têm nenhuma prova contra mim. Eles sabem que o apartamento não é meu, eles sabem que a chácara não é minha, mas eles contaram uma mentira", disse.

Lula também criticou duramente a Lava Jato e acusou a operação de ser seletiva durante grande parte de seu funcionamento. "Era preciso tirar o PT do governo, e como eles não tinham conseguido tirar o PT do governo durante praticamente quatro eleições, era preciso criar condições objetivas pra criar uma animosidade contra o PT", apontou. Segundo o ex-presidente, essa animosidade cresce quando alguém é acusado de corrupção, como foi seu caso.

O petista defendeu que independentemente de partido político ou religião o roubo deve ser punido, se quando apurado, for constatado roubo. Depois, desafiou as autoridades que o prenderam a mostrarem as provas, uma vez que, segundo o ex-presidente, a Lava Jato se tornou uma operação política à benefício de quem dela participa.

Sobre a falta de autorização da justiça para que os veículos de comunicação conseguissem entrevistá-lo, Lula acredita que a decisão foi uma tentativa de evitar sua candidatura à presidência e impedir, por consequência, o retorno do Partido dos Trabalhadores ao poder. "Era tudo que a elite brasileira não queria, era que o Lula voltasse a ser presidente da República."

Segundo o ex-presidente, durante o seu governo, os mais pobres subiram um degrau da escala social e começaram a frequentar universidades, teatro, restaurante e aeroportos, o que incomodou boa parte da elite brasileira, apesar dessa parcela privilegiada também ter obtido melhoras durante sua gestão.

Sobre a segurança, Lula reconhece não ter conseguido resolver o problema de segurança pública que atinge todo o tertitório nacional, mas defende que criou mecanismo "mais civilizatório" para que a polícia tivesse melhores condições, como o aparelhamento da Polícia Federal e a criação da Polícia Nacional.

"Se você quiser diminuir a violência, não é distribuindo arma, é distribuindo educação, distribuindo emprego, salário, distribuindo oportunidade, distribuindo sonhos e esperança", disse, referindo-se ao presidente eleito Jair Bolsonaro, que recentemente ampliou o porte de armas no Brasil. "Nós fizemos a maior política de inclusão social da história de 500 anos do Brasil", lembra.

A ascensão da extrema direita no mundo também foi pauta na conversa. Lula disse que embora a alternância de poder seja normal em diversos lugares do mundo, esse lado político vem fracassando. Segundo ele, o principal motivo da vitória de Trump nas eleições americanas não foi Putin, como sugerem, e sim as fake news, como no Brasil. Para o petista, Trump tinha o discurso direcionado aos operários brancos, como promessas de emprego e conflitos com a China. Sobre Bolsonaro, comparou o presidente ao Nero quando tocou fogo em Roma.

"Bolsonaro já está há quase cinco meses no governo e você não ouviu a palavra crescimento, desenvolvimento, investimento, geração de emprego, distribuição de renda", criticou. Lula lembrou ainda o que considera ter sido o período de maior inclusão social na América Latina, entre os anos de 2000 a 2014, com as eleições de Kirchner, Lagos, Cristina, Evo Morales, Chávez e Rafael Correa.

Lula disse ainda que nunca prometeu um governo socialista e que em um mandato é preciso estabelecer co-relação de forças pra executar planos políticos. "Ele (Bolsonaro) vai precisar muito mais de que eu construir uma co-relação de forças favorável pra aprovar coisas que ele quer", falou. Disse ainda que com 28 anos de mandatos, o presidente atual representa a velha política.

"As pessoas preferiram acreditar numa mentira chamada Bolsonaro, em um homem que pregava ódio, em um homem que pregava a violência, em um homem que não gostava de negro, em um homem que não gostava de homossexual, em um homem que não gostava de mulher, em um homem que não gostava de pobre, em um homen que falava que tinha que matar. E votaram nele porque do outro lado era o PT."

Sobre o ex-candidato à presidência da República e único nas pesquisas apontado como capaz de vencer Bolsonaro em um possível segundo turno das eleições, Ciro Gomes também foi lembrado durante a entrevista. Lula criticou as reclamações de Ciro feitas ao PT após a articulação política para trazer o PCdoB e o PSB. "Se o Ciro quiser aliados, ele tem que saber conversar".

Uma das principais lideranças de esquerda dos últimos 20 anos, Lula também defendeu a maior inclusão de mulheres, negros e índios na política. O ex-presidente também citou a necessidade de priorizar durante o governo as camadas mais pobres. No início do mandato, conta que levou os ministros para os quatro lugares mais desabastecidos do Brasil.

"Eu queria que um Meirelles, que era banqueiro, eu queria que um Palocci, que era médico, eu queria que um Furlan, que era empresário, conhecessem uma palafita, que vissem o homem e a mulher que no mesmo lugar que eles defecavam, eles comiam. Eu queria que eles vissem a quantidade de meninas com dois ou três filhos com pai desaparecido, eu queria que eles vissem o vale do jequitinhonha, queria que eles conhecessem o mundo tal como ele é, não o mundo de Brasília."

Sobre a Amazônia, que segundo ele está em perigo com o governo Bolsonaro, o ex-presidente frisou a importância de preservar os biomas brasileiros e a diversidade. "A defesa da Amazônia está dentro de uma política de soberania nacional."

O petista também não economizou críticas à Sérgio Moro, juiz que condenou Lula, tornou inelegível sua candidatura para presidente e depois foi escolhido por Bolsonaro para ocupar o cargo de Ministro da Justiça.  Segundo o ex-presidente, Moro não nasceu pra fazer algo além de ler o código penal. "Um juíz que depende da imprensa pra condenar, não é juiz", disse. "Ele (Moro) é mentiroso, Dallagnol é mentiroso, o delegado que fez o inquérito do apartamento é mentiroso.", completou.

Lula finalizou a entrevista criticando os cortes do Ministério da Educação no orçamento do ensino público. "Está jogando fora um sonho com esse corte nas universidades. Não é possível que esses ignorantes, alguns com diploma universitário, não saibam que não tem nenhum investimento mais promissor para o futuro de um país do que a escola, do que a educação."

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