Mais da metade das crianças refugiadas não frequentam a escola
Natal, RN 28 de mar 2024

Mais da metade das crianças refugiadas não frequentam a escola

23 de setembro de 2019
Mais da metade das crianças refugiadas não frequentam a escola

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Na República Centro-Africana, Prince-Bonheur Ngongou estava com 17 anos, no meio de uma aula de francês, quando ouviu tiros. O professor parou de falar e o caos tomou conta da sala de aula.

“Nós demoramos alguns segundos para entender o motivo pelo qual as pessoas estavam gritando”, relembra Prince.

Ele imediatamente correu para sua casa em Mougoumba, uma cidade ao sul da Região de Lobaye, na República Centro-Africana, e juntou sua mãe e seus irmãos mais novos. Juntos, correram até o rio Ubangi para salvar suas vidas – Ubangi é o maior afluente do rio Congo, e passam pelo seu curso as fronteiras da República Centro-Africana, da República do Congo e da República Democrática do Congo.

Ao mesmo tempo, o primo e melhor amigo de Prince, Gothier Semi (agora com 23 anos), estava em sua casa, arrumando sua mochila para ir à escola quando ouviu gritos. “Eu não sabia onde estava minha família, mas eu pude ver o medo nos olhos das pessoas correndo em direção à água. Ali eu soube que tinha que correr também”, comentou Gothier.

O destino os separou

Gothier pulou dentro do bote mais próximo que pôde encontrar. Sozinho e assustado, ele navegou rio abaixo por horas. Quando finalmente parou, se viu em Betou, na República do Congo.

Enquanto isso, em uma pequena canoa, Prince e sua família atravessaram sobre as águas agitadas do rio até a margem oposta àquela onde atracou Gothier. Logo chegaram à República Democrática do Congo (RDC) e seguiram para o campo de refugiados de Boyabu, onde a Agência de Refugiados da ONU (ACNUR) lhes forneceu comida e abrigo.

Pela primeira vez em suas vidas, Gothier e Prince estavam longe um do outro, em diferentes campos de refugiados e em países diferentes.

Ambos estavam de frente a uma nova realidade. Como na maioria dos casos dos adolescentes que fogem de conflitos, a falta de escolas de segundo grau, professores e materiais de aula em campos de refugiados significou um empecilho para os primos continuarem seus estudos e realizarem suas ambições.

Esta história aparece no relatório educacional do ACNUR para 2019: “Fortalecendo a educação para refugiados em crise”.

O relatório mostra que, à medida que as crianças refugiadas crescem, as barreiras que as impedem de acessar a educação se tornam mais difíceis de serem superadas.

O documento também aponta que apenas 63% das crianças refugiadas frequentam a escola primária, em comparação com 91% em nível global; 84% dos adolescentes recebem educação secundária, enquanto apenas 24% dos refugiados têm essa oportunidade; e dos 7,1 milhões de crianças refugiadas em idade escolar, 3,7 milhões, mais da metade, não frequentam a escola.

O destino intervém novamente

Em 2016, uma frágil paz começou a retornar a algumas partes da República Centro-Africana, depois do conflito que obrigou 600 mil pessoas a fugir para países vizinhos – e ainda outras 600 mil a se deslocar internamente pelo país.

Gothier estava desesperado para voltar para casa e voltar à escola. Em 2018, sua esperança se tornou realidade.

Na República Centro-Africana, o ACNUR ajudou o governo com o retorno voluntário de quase 4,5 mil centro-africanos do Congo à região de Lobaye – entre eles estava Gothier e sua família.

Ele voltou para Mougoumba, sua cidade natal, e matriculou-se no ensino médio. Agora Gothier está fazendo o possível para recuperar tudo o que perdeu.

“Perder cinco anos de estudo me deixou muitos passos para trás”, relatou. “Mas é a única forma de recomeçar minha vida. Educação é o caminho.”

Prince e o refúgio

Para Prince, entretanto, a história não terminou tão bem. “Desde que saí de casa há cinco anos, eu não pude ir à escola. Fico ocioso, sem poder estudar”, explicou.

Prince ainda é um refugiado. Eventualmente ele se atreve a fazer a perigosa jornada de volta ao rio em direção a Mougoumba. Mas, ainda como refugiado em RDC, suas visitas não são oficiais e ele não possui os documentos necessários para retornar permanentemente – e se matricular nas aulas ao lado de Gothier.

Para ganhar algum dinheiro, ocasionalmente vende créditos de telefone ou trabalha na farmácia de seu tio.

“Às vezes eu vou à minha antiga escola”, disse Prince. “E ainda sento do lado de fora da sala para ouvir a professora enquanto espero meu primo sair da aula. Isso me deixa triste”, confessou.

Gothier, 23, e seu primo, Prince-Bonheur, 22, pescando no rio que separa a República Centro-Africana da República Democrática do Congo Foto: ACNUR | Adrienne Surprenant.

A vida sem escola

David Yakpounga, 55, diretor da escola em Mougoumba, disse que gostaria que Prince e outras crianças em situações similares voltassem aos estudos, tendo ou não os documentos adequados. “Eu os encorajo a voltar às aulas, mas eles só ficam em Mougoumba por um ou dois dias”, ele disse. “Não dá para aprender nada assim.”

Prince prometeu não desistir. “Eu sei que preciso de educação. A escola é o meu futuro. A vida sem escola não é vida”, pontuou.

Yakpounga concorda. À medida que mais centro-africanos retornam do exílio, o país precisará de dinheiro para construir e expandir escolas, treinar mais professores e fornecer materiais de aprendizado adicionais.

“Um país onde as crianças não estudam é um país morto”, avaliou o diretor. “Sem educação, não pode haver paz”, concluiu.

Relatório educacional da Agência da ONU para Refugiados

Fonte: ONU Brasil

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