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22 de junho de 2018
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Enquanto esperam que o escrete do professor Adenor justifique no campo a marra de favorito, pachecos e pistolas de todas as cores vestem a camisa ecumênica da mediocridade para caçar Neymar, com a gana de mil beques suíços. Projetamos no boy da Marquezine o complexo de viralatas que nos assola sempre que nossas altas expectativas no ludopédio tardam ou são frustradas. Individualizamos o fracasso tanto quanto o sucesso, esquecendo que o jogo é coletivo. Coisa de quem adora um messianismozinho — no ludopédio, na política, na vida. Desde sempre.

Não há gênio brazuca que não pague de judas na língua do povo, seja nos matutões da Fifa ou nos peladões domésticos. Nem Pelé escapou das lambadas. Quando (ainda no auge técnico e físico aos 30 anos) se despediu do escrete num amistoso furreca contra a Iugoslávia (2 a 2) em 1971, ignorando o coro — "Fica! Fica!" — de 140 mil vozes no Maracanã e 90 milhões país afora, foi chamado de egoísta, sem espírito patriótico.

Muitos rebentos dessa dinastia teriam o couro espichado no arame farpado das resenhas, que não lhes perdoavam a marra pura e simples ou as facetas em desacordo com a clicheria do senso comum. Uma breve lista basta para exemplificar a bipolaridade de pachecos e pistolas, sempre prontos a exaltar ou rebaixar nossos craques, de acordo com o andamento do baba. Entre o gozo e a bílis, construímos uma antologia atemporal de preconceitos que, à falta de coisa melhor, esgrimimos como argumentos.

Tostão? Metido a intelectual e admirador de comunistas. Rivelino? Explosivo e pipoqueiro em decisões. Zico? Fabricado pela mídia, só joga no Maracanã. Sócrates? Não é atleta: fuma, bebe e se preocupa mais com política do que com futebol. Reinaldo (do Galo)? Além de bichado, bicha. Paulo César Caju? Cocainômano, boçal nas roupas que usa e nos carros que dirige, não namora negras, tem fixação em loiras. Falcão? É jogador de clube, não de seleção. Marinho Chagas e Leandro (Flamengo)? Cachaceiros, individualistas, não sabem marcar. Geovani (Vasco)? É lento, rebola demais. Romário, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho? Mercenários. Só querem saber de grana, farra, ostentação. Têm mais fama e marra do que bola.

Neymar é sanguinho novo para a vampiragem amarela. Legítimo produto da era das celebridades, manipulando a mídia e deixando-se manipular (quando lhe convém), encarna sozinho quase toda aquela lista de clichês. Falta ali apenas o "é cai-cai", que zagueiros e técnicos adversários espertamente colocaram em circulação para camuflar a pancadaria que usam como estratégia de marcação.

Imaturo no campo e fora dele, Neymar é facilmente provocado — pelos joões que humilha com dribles, por pachecos e pistolas que se exasperam com seus altos e baixos, especialmente em confronto com o desempenho retilíneo de CR-7. Assim como a do hermano Leo, a genialidade de Neymar é diferente da do gajo, tão marrento quanto ele, mas muito mais obsessivo que os dois. Certamente por ter reparado desde cedo que o que lhe faltava em natureza poderia ser compensado pelo aperfeiçoamento exaustivo nos fundamentos do jogo. A receita deu certo, dizem os números — e a admiração de pachecos e pistolas, sempre dispostos a desculpar-lhe a marra perfeccionista, ante os recordes e títulos intermináveis.

Assim como ocorreu a Zico, Sócrates, Romário, Ronaldos etc., Neymar jamais terá essa unanimidade da qual CR-7 desfruta. Quando ganhar, será exaltado como joia da brasilidade, gênio da raça. Quando perder (ou empatar), não passará de um moleque mimado, ostentador, vaidoso. Mais um mero marrento.

Em tempo: nesta sexta-feira tem jogo contra a Costa Rica. Quatro a zero pra nós. Quatro gols de Neymar.

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