Me chame pelo meu nome
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Me chame pelo meu nome

18 de setembro de 2018
Me chame pelo meu nome

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Mozão, meu amor, minha anjinha, gata, gostosa, dengo e até querida, o que, não sei porque cargas d'água, só me faz lembrar da Dilma. Sei que a intenção é que sejam apenas apelidos carinhosos, e não sei se é o peso (ou a maturidade) dos 41 anos que acabam de me atingir, nesse último domingo, mas preciso confessar que qualquer um desses chavões pseudo-românticos, me faz imaginar que o camarada, na verdade, esqueceu a porra do meu nome, ou não quer confundir com os trezentos outros nomes de mulher que ele tem na cabeça.

Especialmente se ditos assim por quem ainda não dei nem tanta intimidade. Por isso, aviso que essa crônica tem o incrível potencial de autossabotagem, porque certamente irá prejudicar atuais paqueras e até acabar com a mínima possibilidade de novos crushs ou, melhor dizendo, novos arrobas.

E para quem não sabe o que diabo é um "arroba"(@), é bom dar um F5 nas gírias adolescentes, porque o arroba hoje em dia é o novo crush, nome que já tá ficando ultrapassado. Não se preocupe em aprender, porque isso deve mudar até que você termine de ler esse texto. Minha filha mesmo teve dificuldade de compreender isso e achou que o certo era underline, mas porque ela imaginava que o símbolo @ se chamava, na verdade, underline.

Acho que minha cisma com esses vocativos infelizes talvez tenha sido intensificada por uma música sertaneja que fui obrigada a aprender a letra após ouvir desenfreadamente em tudo quanto é Uber dessa capital federal. Não curto sertanejo, mas quem mora em Brasília sabe que não há muito como fugir desse ritmo, que consome quase todas as opções de diversão nessa cidade.

No início, pedia para o motorista trocar de estação. Com o tempo, percebi que ouvir sertanejo era uma das poucas formas dele relaxar da pressão de dirigir o dia inteiro, sem descanso. Comecei a pensar numa maneira de me divertir ouvindo esse tipo de música, de composições que contam histórias tão absurdas, que a gente nem imagina como aquilo vira um sucesso, daqueles que gruda no ouvido e a gente tem que fazer uma puta imersão em músicas de qualidade pra tentar rebater a onda ruim, ao chegar em casa.

Foi num desses momentos zen que eu escutei pela primeira vez os versos "ainda não me chame de meu nego, ainda não me chame de bebê, porque era assim que ela me chamava, e um apelido carinhoso é mais difícil de esquecer", da inspirada canção "Apelido carinhoso", não sei de que genial cantor do gênero.

Fiquei umas boas horas pensando porque motivo uma mulher aceitaria o absurdo de estar com alguém capaz de declarar que não esquece da ex e ainda exige que a moça não lhe dê os mesmos apelidos que a anterior lhe dava. Sim, porque a análise psicológica dessas letras incríveis é o meu mais novo esporte aqui em BSB.

Só consegui admitir a situação depois que cheguei à conclusão que era bem possível que a moça sequer soubesse o nome do camarada imbecil que fazia tais exigências, o que tornava o sentimento de "tô cagando pra você" recíproco, mas nada disso comprova a genialidade da composição.

Na verdade, lembro agora que esse meu trauma de apelidos carinhosos vem de muito tempo atrás. Foi num carnaval em Olinda, que fiquei com um rapaz bem bonito, charmoso, interessante, e a gente quase não se largava, não fosse o fato de, em determinada hora da noite, ele resolver me chamar de "chéri" ou "cherry".

Não sei como se escreve, mas não suportei mesmo ouví-lo pronunciar. Ele não era francês, ou nada que justificasse essa inesquecível comparação da minha pessoa com uma cereja, assim, do nada, e que fez daquele o momento, vamos dizer assim, mais brochante da minha vida.

Pedi, delicadamente, que me chamasse pelo meu nome. Mas em Olinda, essa exigência pode ser muito impossível de se concretizar. De agora em diante, quem sabe ele aprenda..

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