Militância de bom humor, tiração de onda e memes: Isso vai dar certo?…
Natal, RN 29 de mar 2024

Militância de bom humor, tiração de onda e memes: Isso vai dar certo?...

3 de fevereiro de 2020
Militância de bom humor, tiração de onda e memes: Isso vai dar certo?...

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No já clássico "O nome da rosa", o escritor italiano Umberto Eco aborda discussão filosófica (com base em Aristótoles) sobre o riso. Para o monge e bibliotecário Jorge de Burgos, o riso é fonte de dúvida e desrespeito ao sagrado, e ele leva tão a sério esta posição que não se importa em assassinar quem pensa o oposto.

A recordação me veio à mente ao, pela centésima vez nos últimos dezoito meses, refletir sobre como o humor - libertador e necessário - pode ser indesejado e mais atrapalhar do que ajudar, paradoxalmente, em alguns casos. No da militância política, por exemplo.

Pode ser bílis mal trabalhada de quem passou dos 45 e lembra da campanha presidencial de 1989, vencida por Collor contra Lula, Brizola, Covas, Ulysses, etc, e também dos anos seguintes, dos caras pintadas, do impeachment do "caçador de marajás" e depois dos embates quadrienais entre tucanos e petistas, com duas vitórias para FHC e outras quatro para Lula (duas delas com Dilma), até que veio o famigerado Golpe, e, enfim, voltemos ao riso.

Todas as campanhas e movimentos acima eram marcados pela politização, às vezes polarização e quase sempre mal humor. Tucanos e petistas não eram exatamente bastiões do riso fácil, com o ar blasé dos primeiros e o aguerrimento ideológico dos segundos. Assim se fez, com a internet ainda incipiente no Brasil, campanhas presidenciais por duas décadas.

Até que chegaram as redes sociais. Mais que isso, o famigerado Zap. A informação se tornou mais rápida, funcional e todo mundo vai ficar mais antenado e debater a sério a política, certo? Que nada.

O que aconteceu foi uma febre de informações visuais bem humoradas (memes) e piadas, de todos os tipos e qualidades. Internautas e usuários de Zap descobriram a delícia de compartilhar informações e nesta toada chegou a pré-campanha eleitoral de 2018, pós-golpe parlamentar-jurídico-midiático e com o maior líder político do país preso  após um processo viciado.

Seria então o momento da militância de Esquerda dominar a ferramenta Zap e fazer o que sempre fez nos anos 80 e 90, política e debate de ideias? Hummmm não, talvez o melhor a fazer fosse compartilhar memes sobre como Bolsonaro é burro, come capim e sobre como os eleitores deles são jumentos (inclusive com fotos dos simpáticos animais)...

Uai, mas a militância de Direita também não fazia igual ou muito pior, compartilhando fake news. Sim, claro. A diferença é que 1) O ponto de partida desses sistema era profissional, como se descobriu depois, e não amadorístico 2) a militância de Direita não compartilhava na bolha, mas para os "isentos" e "indecisos", de maneira que durante a campanha acabou convencendo milhões de pessoas 3) Esse expediente funciona melhor com pessoas conservadoras e de perfil truculento do que com pessoas de tendência progressista.

Ah, mas a campanha passou e uma vez Bolsonaro empossado presidente o caminho é fazer oposição a ele.

Sim, e como fazê-lo? Nas ruas? Entendendo o funcionamento das redes e zap para combate-lo nessa esfera? Dialogando com a sociedade e seus segmentos? Formando a tal "Frente ampla"? Não. A militância progressista decide combater o governo fascista-nazista usurpador de direitos com... memes e Zap para as bolhas. Diria-se que uma nova versão da máxima de quem "time que está perdendo também não se mexe".

Damares fala mais uma aberração? Da-lhe piadinha com a aparência e idade dela. Regina Duarte escolhida para chefiar a cultura? Haja meme com Viúva Porcina. E por aí vai.

Dia desses na Livraria Manimbu comentei isso e tive de ouvir de um conhecido meu: "Só falta agora Cefas achar que nem se divertir quem é de Esquerda pode". Não se trata disso. Diversão é sagrada e um direito, inclusive levo isso bem a sério. Mas, há que se diferenciar bom humor e diversão de simplesmente "tirar onda". Lembrando ainda que tirar onde não pode tirar votos, viu?

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