Nota sobre a Ocupação da antiga Faculdade de Direito da UFRN
Natal, RN 23 de abr 2024

Nota sobre a Ocupação da antiga Faculdade de Direito da UFRN

23 de novembro de 2020
Nota sobre a Ocupação da antiga Faculdade de Direito da UFRN

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Os projetos de extensão da UFRN abaixo assinados, que têm como eixo de atuação o Direito à Cidade, à Moradia e ao Patrimônio Cultural, por meio de assessoria técnica e de ações educativas, vêm por meio desta nota conferir um breve parecer sobre a ocupação e a tentativa de reintegração de posse do edifício do antigo grupo Escolar Augusto Severo localizado no bairro da Ribeira, Natal/RN. Mais ainda, vêm propor alguns termos para o necessário diálogo em busca de soluções adequadas, considerando o papel histórico da UFRN na construção coletiva de caminhos para a justiça territorial e o desenvolvimento sustentável, principalmente no estado do RN.

O acesso à moradia é um dos direitos fundamentais do ser humano, garantido pela Constituição Federal Brasileira e presente em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Entre esses tratados destaca-se a Nova Agenda Urbana (ONU-Habitat) de 2016, em que se sinaliza o comprometimento com a promoção:

“[...] no nível adequado de governo, incluindo governos subnacionais e locais, o fortalecimento da segurança da posse para todos, reconhecendo a pluralidade de tipos de posse, e a desenvolver soluções adequadas aos fins a que se destinam, sensíveis a questões de idade, de gênero e ambientais dentro do universo dos direitos fundiários e de propriedade, com particular atenção dirigida à segurança da posse da terra para as mulheres como fator fundamental para seu empoderamento, inclusive por meio de sistemas administrativos efetivos.” (Art. 35)

Ainda assim, o persistente déficit habitacional tem se configurado um dos principais entraves à construção de cidades democráticas, inclusivas e sustentáveis no Brasil. Por isso, antes de tudo é necessário reafirmar o nosso posicionamento contrário às ações de despejo, que estão em desencontro com os referidos compromissos, principalmente no contexto de agravamento das condições sociais e econômicas decorrentes da pandemia da COVID-19. É agravante também o fato de que a maior parte dos ocupantes são mulheres, que denotam particular atenção no contexto do acesso à moradia dentro da Nova Agenda Urbana.

O caso da ocupação da antiga Faculdade de Direito da UFRN precisa ser entendido nessa perspectiva, a qual se soma o tema da proteção do patrimônio como estratégia de valorização da nossa memória e história da nossa cidade. Criado inicialmente como grupo escolar Augusto Severo, a edificação eclética projetada por Herculano Ramos e inaugurada em 1908, é um dos exemplares mais emblemáticos do primeiro ciclo de modernização urbana pelo qual Natal passou no início do século XX.

Apesar dos problemas derivados da falta de conservação adequada nas últimas décadas, a arquitetura do edifício ainda guarda a integridade de suas linhas originais e a história dos acréscimos e pequenas reformas feitas ao longo do tempo – tendo sido também sede do Colégio Atheneu, da Faculdade de Direito da UFRN e da Secretaria de Segurança Pública do Governo do RN. A edificação, tombada em âmbito estadual e federal, está inserida no perímetro urbano tombado do Centro Histórico de Natal.

Em visita na última sexta-feira, dia 20 de novembro, representantes dos projetos de extensão signatários desta nota constataram que a ocupação feita pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, (MLB/RN), não realizou nenhuma alteração ou depredação na edificação. As famílias limparam os espaços e ocuparam principalmente o bloco anexo (prédio racionalista de dois pavimentos na parte posterior do lote).

Por outro lado, entendemos que a decisão de reintegração de posse de fato põe em sério risco a integridade do bem patrimonial, ao autorizar que, no limite, se derrube muros, portas e paredes. Mais ainda, põe em risco a vida das famílias que compõem a ocupação, inclusive muitas mulheres e crianças, no caso de parte da estrutura cair sobre elas em razão do referido ato.

Por isso é imperioso que a UFRN suspenda o pedido de reintegração de posse. Mais ainda, que abra os canais de diálogo e contribua na coordenação de uma ação para construção de uma alternativa compartilhada com o movimento e as famílias, os entes públicos municipal e estadual e a própria universidade.

Os professores do Departamento de Arquitetura da UFRN historicamente têm desenvolvido suas ações de extensão e pesquisa a partir do diálogo com os movimentos sociais e comunidades no intuito de garantir os direitos constitucionais apontados. No caso do Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB), os projetos de extensão abaixo assinados têm trabalhado juntos, recentemente nas discussões do processo de revisão do Plano Diretor de Natal, na Articulação Nacional por Direitos na Pandemia e na Campanha Despejo Zero: pela vida no campo e na cidade, à qual aderimos junto a diversos movimentos nacionais e internacionais.

Nesse contexto, cientes de que recentemente a UFRN conseguiu recursos para executar o projeto de restauro e qualificação do bem, acreditamos que um diálogo entre o Movimento e a Universidade é fundamental no intuito de garantir a segurança das famílias (muitas mulheres e crianças compõem a ocupação) e do próprio edifício.

Além disso, sugerimos a constituição de uma comissão que atualize a avaliação técnica das condições das instalações e da estrutura do edifício, a partir dos estudos já existentes que embasam o projeto de restauro e qualificação para a transformação do bem patrimonial, garantindo-lhe um uso adequado e cumprimento de sua função social. Ressalta-se ainda a necessidade de apoio ao MLB na busca de soluções adequadas de moradia para as famílias envolvidas na referida ocupação, o que deve ser feito em diálogo também com a Prefeitura do Natal e o Governo do Estado do Rio Grande do Norte a partir dos programas habitacionais existentes.

Assim, reiteramos que é necessário o diálogo, nunca a força. Compreendemos as responsabilidades institucionais da UFRN na proteção e preservação do seu patrimônio, mas reconhecemos também a importância da luta pela moradia digna e pelo Direito à Cidade. E é por isso que defendemos que a Universidade não pode abrir mão do que tem de melhor – o conhecimento embasado, o capital humano qualificado, a criatividade – para apontar para uma solução não conflituosa, baseada no seu Plano de Desenvolvimento Institucional, cuja missão visa “contribuir para o desenvolvimento humano, comprometendo-se com a justiça social, a sustentabilidade socioambiental, a democracia e a cidadania”, colocando em prática o papel essencial da Universidade Pública que é o compartilhamento do conhecimento produzido com a sociedade.

Os projetos de extensão abaixo assinado colocam o conhecimento que produzem junto com suas equipes técnicas profissionais (docentes e discentes) à disposição para qualificar esse diálogo e buscar uma solução que assegure os direitos de todos os envolvidos.

Natal, 22 de novembro de 2020

Fórum Direito à Cidade – Laboratório de Habitação da UFRN (LabHabitat – DARQ/UFRN) — Núcleo Natal do Observatório das Metrópoles / UFRN

Projeto Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos – Núcleo Urbano – Laboratório de Habitação da UFRN (LabHabitat – DARQ/UFRN)

Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo – EMAU Maré – Laboratório de Habitação da UFRN (LabHabitat – DARQ/UFRN)

Apre(e)nder a Cidade: percepção, educação e vivências sobre o patrimônio (DARQ/UFRN)

Observatório das Práticas de Administração Pública Brasileira – OPRA – Departamento de Direito Público / UFRN

Projeto Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos – Escritório Popular – Departamento de Direito Público / UFRN

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