O alimento que nos falta ou a ausência que nos sobra
Natal, RN 24 de abr 2024

O alimento que nos falta ou a ausência que nos sobra

18 de julho de 2020
O alimento que nos falta ou a ausência que nos sobra

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Essa semana vou falar de um tipo diferente de alimento, esse alimento não se mede, não se compra e nem se dimensiona.

Fiz uma lista de cinquenta temas que gostaria de abordar nessa coluna ao longo desse primeiro ano. Essa semana iria escrever sobre a mandioca, nosso alimento mãe, mas esse ficará para um outro momento.

Esse espaço, hoje, me dará a oportunidade de escrever sobre o amor, saudades, sobre ausência e sobre alguns abraços que eu gostaria de ter dado.

Não tenho receitas para explanar sobre esse alimento, não tenho dicas e nem causos historiográficos para descrever, pois esse mesmo é intangível.

O amor, que nos alimenta tão ferozmente, que emociona, que faz rir nos encontros, que nos desmancha de tristeza nas despedidas.

Esse é o alimento da celebração universal. O amor que nos faz guerrear, que nos faz querer a paz, que traz o conforto do perdão e o abraço do reencontro.

No espaço temporal que vivemos, onde os braços, gestos e reações foram substituídos por emojis, memes e figurinhas, parece-me que esse está em falta nas prateleiras da vida.

Os olhares, beijos, toques e transas agora são intermediados por duas telas. Ou seriamos nós os intermediadores das pequenas luxúrias de nossos aparelhos eletrônicos?

Me pergunto quando poderemos ter novamente a possibilidade de nos sufocarmos nos momentos de emoção, de dor, no momento das partidas.

Símios que somos, sempre queremos culpar o universo, a natureza ou até mesmo Deus, pelo tempo de sufoco que estamos passando, e o termo é esse mesmo “sufoco”. Estamos nos sufocando aos poucos.

Não podemos nem mesmo compartilhar presencialmente as dores da perda de nossos entes, de nossos amigos. Quem já perdeu alguém sabe o quão importante é a presença de quem se gosta, é uma espécie silenciosa de tudo aquilo que as pessoas representam uma para outra.

Essa semana, no máximo maldita e no mínimo forte, duas perdas assolaram meu espirito, confesso a falha na açudagem de minhas lágrimas nesse momento que vos escrevo.

Primeiro o tempo levou-nos Vanda Moura, mãe e vó. Depois, não satisfeito, nos levou Penelope, filha e mãe. Penso em vovoinha, penso em Miguel, meu filho, penso nos meus, e percebo que nunca ninguém está preparado para a partida de quem se ama.

Nesse instante, tento fazer o exercício de pensar nas milhões de famílias ao redor do mundo que estão passando por essa dor, nesse minuto que vos escrevo.

Não consigo compreender como ainda existem pessoas que relativizam a vida de forma irresponsável, de como há líderes que deveriam proteger seus liderados, mas só pensam em seus gigantes egos e seus remédios milagrosos estilo garrafadas, que tratam de verminoses às paixões não retribuídas.

Foi difícil não cair dentro desse espiral de complexidade que estamos vendo dançar na nossa frente. Terá sido o meteoro que caiu em Arcoverde nessa semana? Ou é uma ação da natureza? Do tempo? Tento de todas as formas achar alguma explicação e sou falho, somos falhos, somos instantes, somos detalhes.

O que é a vida se não um breve sopro perante o universo e um imenso vendaval perante nossos olhos? Gostaria de acordar e perceber que esse texto não passou um devaneio de Morfeu, que habitou um sono apenas.

Mas a realidade é mais bruta, e se torna mais bruta ainda devido à ausência de compaixão com quem fica e respeito com os que foram. Vos digo que não deixem aquela ligação para depois, aquela vontade de escutar a voz de alguém para amanhã. Estamos diante de um “monstro grande que pisa fuerte, en toda la inocencia de la gente” como cantou Mercedes Sosa”.

Gostaria de dizer para os que ficaram, que sintam suas dores e seus lutos, mas não se deixem vacilar no viver, no amor, o maior alimento de todos. Como diria um grande amigo, Mineiro: “a nossa maior forma de resistir a esse momento é sobrevivendo”.

Já aos que partiram, aos que viraram partículas universais, que teremos sempre um pedaço de vocês dentro da gente, pois respiramos o mesmo ar que saíram dos vossos pulmões, e isso não tem quem nos tire.

Que tempo estranho! Não posso abraçar ninguém! Não posso chorar nos ombros dos meus amigos e nem oferecer os meus, aos meus amigos que perderam pessoas tão importantes em suas vidas. E aqui de longe, o que me resta é escrever e me emocionar, nesse momento é a forma que tenho de abraçar e agradecer a vocês.

Concluo esse desabafo citando uma frase de uma música, de forma suspeita, pois junto com Bob Aquino, poeta mossoroense, ajudei a construí-la. “Dor pra quem ficou... pra quem se vai: o universo inteiro”.

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