O bebum me conhecia desde os tempos de Olinto Galvão
Natal, RN 19 de abr 2024

O bebum me conhecia desde os tempos de Olinto Galvão

16 de setembro de 2018
O bebum me conhecia desde os tempos de Olinto Galvão

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Lá ia eu pela calçada esburacada da Praia dos Artistas, agora bem pior porque os banheiros abandonados, a Prefeitura não pagou aos terceirizados, e os banheiros estão fechados, alguns quebrados, imundos, todos podres, e caminhamos, nós e os turistas, tendo que suportar o mau cheiro.

Mas deixa pra lá, esse é outro assunto.  Escrevo, conto esses causos, porque sei que pelo menos meu amigo Rafael Duarte me dá a honra de perder uns minutinhos para ler.

Minha caminhada matinal, dos meus personagens. O de hoje é novo, nunca tinha visto. Já tinha percorrido quase seis quilômetros alternando trotes e caminhada. Na altura do shopping de artesanato um cara altamente bêbado, cambaleante mesmo vem na minha direção.

Olhando fixo para mim ele parecia disposto a me dizer alguma coisa. Como não o conhecia, simplesmente olhei em outra direção. Ele veio, veio, veio e com o rabo do olho notei que ele passou quase esbarrando em mim, quase tromba comigo, quase mesmo.

Respirei aliviado.

Andei uns cem metros, não menos, quando escutei a voz “engrolada” gritando. “Ei! Ei! Deixe de banca viu seu Edmo Sinedino, deixe de banca só porque é comentarista de porra de rádio e tevê...”

Parei para escutar, olhei para trás.

E ele continuava indignado.

“Você tá pensando que eu não lhe conheço, conheço sim, conheço você desde o tempo que você era bem maguinho, só tinha a cabeça do joelho, era couro e o osso, treinando lá na escolinha do América com Olinto Galvão...” , completou ele.

"Lembra daquele dia que você se desentendeu com Olinto, tu era atrevido demais, mandou ele para aquele canto e ele veio correndo atrás de você, ri demais... o véio, que Deus o tenha, foi dar um chute na sua bunda e escorregou...você saiu correndo que nem bala pegava", narrou mais essa passagem, verdadeira de minha passagem no América de futsal, e depois caiu na risada.

Fiquei surpreso demais. O bebum me conhecia mesmo. Ele, ao me ver estancar, ganhou confiança e deu vários passos na minha direção. E eu, sem saber o que fazer, esperei que ele se aproximasse, não podia mais sair correndo, andando, não podia mais ignorá-lo.

O bebum chegou bem juntinho, daquele jeito que eles gostam de nos encarar, quase me “beijando”...

“Rapaz, você pensa que eu não conheço você? Conheço, conheço e conheço”, dizia batendo no peito e sacundindo um tremendo bafo de leão na minha cara. “Quer saber como era seu apelido? Quer saber? Todo mundo chamava você de PPO, PPO, PPO...”, e repetiu uma dez vezes.

“Você ficava puto da vida, queria brigar, você era metido a brabo...”, me falava já me agarrando, puxando meu ombro, apertando exageradamente minha mão. Sorri, não podia fazer outra coisa. Tentei retirar a mão, consegui, mas estirei a mão para ele de novo; e de novo ele apertou, me deu mais um abraço e começou a chorar, isso mesmo, começou a chorar, soluçava mesmo.

E eu, claro, como não conseguia reconhecê-lo, fiquei sem entender ou saber o motivo das suas lágrimas. Quem nunca ficou numa "sinuca de bico" como essa? O cara ali falando tudo, que deve ter sido próximo seu e nada de chegar a lembrança de quem se tratava aquela pessoa. Péssimo!

Claro, aí foi que ele me segurou mesmo. E saiu desfinhando mais passagens de minha infância, e que também, certamente, foi a dele. Falou das antológicas peladas do campo da Cosern, onde mais de cem meninos se juntavam todos os sábados, de manhã e de tarde, para jogar. Lembrou dos empolgantes Jogos no SESC e, citou minha passagem e começo de carreira no Centro Esportivo Força e Luz, entre tantas outras coisas.

Os meus amigos de infância ele conhecia todos, citou Tinho (que foi jogador vitorioso do ABC), Pequeno (amigo querido, que chegou a jogar no Força e Luz e que morreu precocemente num acidente estúpido de queda na escada da Cosern), Cuíca, Zinho, Zé Carlos, Roberto Lili ( o famoso Bora Porra), Carlos, Welbert, Toinho, Marcos Falcão, entre outros.

O danado em tudo isso é que eu tentei durante todo o tempo me lembrar dele, mas não consegui, e ele sabia quase tudo sobre mim.  Me despedi, quase não consigo, pois ele apertava minha mão, chorava, repetia histórias, enfim, consegui me desvencilhar dele pensando neste meu novo estranho "personagem" das caminhadas.

Ele me largou, enfim, depois de um último forte aperto de mão, e mais lágrimas derramadas. Minha caminhada interrompida pela enésima vez e o pior é que, lá na frente, já a postos, o mais difícil marcador: o “Rei do Bronze” já estava a postos, me esperando para pedir "um minutinho de minha atenção " e mandar mais um recado para o presidente do ABC...

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