O Bolsonarismo e os golpes diários a Ancine
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O Bolsonarismo e os golpes diários a Ancine

12 de dezembro de 2019
O Bolsonarismo e os golpes diários a Ancine

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A Agência Nacional do Cinema (ANCINE) é o órgão vinculado ao (finado) Ministério da Cultura, responsável pelo financiamento e fiscalização da produção cinematográfica e audiovisual nacional. Dentre suas principais funções, encontra-se o controle da Lei do Audiovisual do Brasil (n° 8.685/1993). Tendo seu funcionamento implementado durante os anos iniciais do Governo Lula, sua promulgação se deu através da Medida Provisória n° 2.228-1/2001 e, desde então, exerceu diante da produção cinematográfica nacional o preponderante papel que não foi observado nem nos tempos áureos da Empresa Brasileira de Filmes (EMBRAFILME), extinta por Collor no começo da década de 1990.

O Governo Bolsonaro, desde a época da campanha, jamais escondeu sua perseguição para com a classe artística. Na caça aos artistas que começou ainda no início da corrida presidencial, o líder do (des) governo assentou sua candidatura tendo por uma das principais pautas de campanha a perseguição à Lei Rouanet, mecanismo de financiamento cultural cujo funcionamento é sabidamente desconhecido por toda a equipe de governo, a julgar pelo teor dos tweets publicados por ela. Nos últimos dias, a classe cinematográfica nacional vem amargando um período tenso, no qual o Presidente vem mostrado que faz valer uma de suas principais bandeiras políticas e apresenta deliberações diárias que comprometem diretamente o funcionamento da Ancine.

Com o orçamento decrescente, que desde o golpe de 2016 já vem ano após ano sendo gradativamente reduzido, a Ancine enfrenta, em 2019, o dissabor de uma censura velada travestida de filtro. Na última quarta-feira (04/12), sob a alegação de correspondência ao princípio da isonomia, o Presidente proferiu diversas declarações contra a produção cinematográfica nacional, além de indicar o nome do Pastor Edilásio Barra para gerir o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que atualmente é a principal fonte de investimento na produção cinematográfica nacional, haja vista ser um fundo permanente proveniente do recolhimento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE). Tais medidas não poderiam resultar em algo que muito diferisse da retirada dos cartazes dos filmes nacionais das dependências virtuais e físicas da Agência Nacional do Cinema, situada no bairro da Cinelândia, região central do Rio de Janeiro. Em nota, a Ancine justificou que tal atitude foi tomada no sentido de priorizar o setor regulatório da agência, em detrimento da divulgação das produções nacionais. Em outras palavras, a nova gestão da agência prezará pela regulação (ou censura, como bem preferir) ao invés do fortalecimento da cadeia  produtiva audiovisual nacional, que já tanto sofre com o modelo de financiamento setorial vigente que, em regra, segue os mesmos moldes da Lei Rouanet.

Toda essa série de absurdos é facilmente passível de tradução e entendimento quando nos reportamos às notícias envolvendo a Ancine nos últimos meses, onde diversos jornais de grande circulação no Brasil divulgaram em polvorosa os vetos que o Presidente determinou para com as produções audiovisuais de temática LGBTQIA+, momento no qual o líder do governo não se esquivou em levantar a bandeira do “respeito à família” para justificar uma atitude que, mesmo diante de todos os esforços de sua equipe para suavizar a nomenclatura, não pode ser compreendida como nada além de censura. Em que pese todo o esforço de eufemizar do cenário por parte da mídia nacional, que nos últimos dias vem lançando notas nada convincentes no intuito de justificar tal medida, a realidade que assola o cinema brasileiro passa bem distante do “desocupar as paredes da Ancine”, conforme fora justificado pela assessoria de imprensa do órgão.

Ao retirar das dependências físicas da Ancine quadros de filmes nacionais famosos, a exemplo dos clássicos “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha, e “Cabra Marcado para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho, esta medida tão apenas representa a dominação cristã-ideológica apregoada pelo governo federal, disseminada por meio da atuação dos órgãos a ele vinculado e, de brinde, positivada pelos gestores indicados, que em sua maioria sempre se apresentam com a definição “Pastor” antecedendo o primeiro nome. Em uma análise preliminar, significa dizer que somos forçados a assistir à lamentável derrocada da Ancine, que deixou de figurar como um exemplo de agência reguladora de referência no mundo inteiro (menção especial à atuação de Manoel Rangel, que presidiu a agência à época do governo do PT), para representar a expressão mais literal da dominação religiosa no âmbito da gestão de um Estado que se apresenta como laico.

Ora, não é de se admirar que um dos principais alvos de ataques de toda a onda de retrocessos que estamos atravessando fossem, justamente, as instituições ligadas à cultura. Mais precisamente, o único órgão responsável pela regulação do produto cultural mais consumido do país. Atacar a Ancine significa amarrar a população consumidora de produtos audiovisuais a uma relação cega de mando e subserviência, onde somente as produções que passem pelo crivo da santíssima trindade cristã terão chances de adentrar no acirrado mercado de salas de exibição. Mais que isto, significa também fomentar apenas as produções que se enquadram no padrão religioso/temático/estético defendido por uma equipe de governo que nunca escondeu suas suspeitas proximidades com os mercadores da fé, donos de canais de televisão que certamente muito se agradaram das notícias que vem assolando a produção audiovisual nacional nas duas últimas semanas. Por fim, para que não reste qualquer dúvida quanto às reais intenções que permeiam os últimos acontecimentos ligados a Ancine, vale encerrar esta coluna com uma frase proferida pelo Presidente, quando indagado sobre quais seriam os rumos da agência: “Se não puder ter um filtro, vamos fechar a Ancine ou privatizá-la.”

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