O desespero cultural de Robinson
Natal, RN 28 de mar 2024

O desespero cultural de Robinson

1 de agosto de 2018
O desespero cultural de Robinson

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É comum em ano eleitoral que os candidatos que ainda estão na gestão do Executivo comecem a querer mostrar serviço na tentativa de se salvar, principalmente quem tem índices tão baixos de aprovação como o atual governador Robinson Faria (PSD), que nesse ano tem investido pesado em ações de marketing e estratégias de salvação. Este texto se propõe em falar especificamente sobre o setor cultural, área onde o governador tem seu 4º gestor diferente. Talvez seja a área com maiores mudanças nesse período de 3 anos e meio de administração do ex-presidente da Assembleia Legislativa.

Não é novidade pra ninguém que esse que vos escreve atuou nos 10 (dez) primeiros meses de destão no governo de Robinson à frente da Fundação José Augusto, tendo acumulado diversos desgastes administrativos por não conseguir implementar as mudanças que gostaria e que eram tão esperadas pelo setor cultural. Pois bem, fui sucedido por Crispiniano Neto que deu continuidade a algumas pautas que vinham sendo tocadas por mim, mas, após o golpe de 2016 e com o rompimento do PT com o governador, Isaura Rosado assumiu pela terceira vez em sua história a pasta da Cultura. Após a aproximação dos Rosados com os Alves, veio outra ruptura nesse setor e a bola da vez foi para a mão do presidente da Câmara de Natal, Ranieri Barbosa, que até a deflagração da operação Cidade Luz era nome fiel de Carlos Eduardo Alves, mas que agora está do outro lado e que indicou o produtor cultural Amaury Júnior para dirigir a FJA.

Amaury é um jovem e importante produtor cultural de nosso Estado, já trabalhei com ele em um de seus projetos, domina os meandros da produção pelo setor privado, tem ousadia e conhece as pautas dos militantes da Cultura. Se os números das pesquisas se confirmarem e Robinson não for reeleito, ele só terá pouco mais de 6 meses à frente da pasta. Tenho a oportunidade de participar de um grupo nas redes sociais com o referido gestor e sinto um grande entusiasmo por parte dele em tocar suas ações, ele não tem medo de se posicionar e nem se esconde atrás do birô da direção da Fundação José Augusto, tem um bom perfil para o que o governador precisa, afinal, a maneira como Robinson tratou a cultura nesses mais de 3 anos de gestão mostra que ele pouco fez pela área, e seu desespero precisa de que, em quatro meses, até o dia da eleição, ele pudesse apresentar algo de novo. Amaury talvez tenha tido a sorte de pegar um governador desesperado pra fazer alguma coisa pela cultura e vem tentando emplacar algumas coisas. A meu ver algumas delas são muito arriscadas e outras são só jogo de marketing.

 Trabalho é obrigação, não é mérito

Assinar ordem de serviço de Restauração e Reforma do Teatro Alberto Maranhão e da EDTAM não é mérito, é obrigação. O TAM foi fechado durante minha gestão na FJA por vias judiciais de um processo que se arrastava desde 2010. O projeto de restauro dos referidos prédios estavam incluídos no PAC das cidades históricas. O governador Robinson Faria e seu filho Fábio Faria, ao assinarem o livro sujo do golpe de 2016, ajudaram a enterrar o Programa de Aceleração do Crescimento ao qual tais restauros estavam previstos, e é claro que ele tinha a obrigação de buscar em algum lugar os recursos para que a obra viesse a acontecer.  Ainda assim demorou três anos pra poder conseguir resolver o imbróglio burocrático e culpou o contrato que existia com o PAC pelo atraso do início das obras. É tudo falácia, pois não existia nenhum contrato firmado com o Governo Federal, a não ser a escolha desses prédios para entrarem dentro do Programa. O que atrasou o processo foi o governo que não pagava o que devia ao escritório de Arquitetura que estava elaborando os projetos da EDTAM e do TAM e que, consequentemente, não soltava o projeto pra poder ser aprovado pelo Corpo de Bombeiros e pelo IPHAN. Passada essa burocracia toda, as obras do TAM começam, enfim, a serem executadas, e com uma promessa de entrega em 10 meses, e que eu ainda duvido muito desse prazo.

O governador do Estado deveria ter tido um mínimo de inteligência e colocado um quadro técnico, como eu gostaria de ter feito, à frente da Coordenação do Teatro. Alguém que nos primeiros meses de gestão quisesse trabalhar nos problemas técnicos do teatro e não apenas com sua maquiagem, mas não teve coragem e optou nomear um colunista social que nada sabe de arquitetura e tecnologia cênica, muito menos de conservação do Patrimônio Material, e que até hoje mantém-se com a pompa e o salário do seu cargo.

Divulga-se pelos quatro cantos do estado que a Biblioteca Câmara Cascudo será reaberta ainda esse mês, e que bom que temos eleição de quatro em quatro anos, e que bom que o governador ainda sonha com a reeleição, pois as coisas em períodos próximos à campanha começam a acontecer, será isso algo proposital? Não há o que se parabenizar com a reabertura da Biblioteca. Mais uma vez é obrigação do governador e, principalmente, de sua última gestora, que foi quem iniciou as obras da Biblioteca quando foi secretária Extraordinária de Cultura no Governo Rosalba. Quando assumi a FJA e tentei ao máximo salvar o convênio com o Ministério da Cultura, me deparei com diversos problemas na execução da obra e a cada reunião que tinha com os responsáveis pelo convênio e com o setor responsável do MinC pela reforma da biblioteca ficava cada vez mais consciente de que o convênio seria cancelado. Como gestor maior de nosso estado, é claro que Robinson tinha, mais uma vez, que conseguir os recursos em outro lugar para conseguir terminar a obra. E correu, de novo, pra acessar os recursos do empréstimo do Banco Mundial via programa Governo Cidadão, que na minha época chamava-se “RN Sustentável”. As obras estão em vias de conclusão e o prédio está prestes a ser reaberto, confesso que estou curioso pra saber qual a estratégia do Governo para resolver a problemática da conclusão da catalogação dos livros e do quadro de funcionários para a Gestão da maior Biblioteca do nosso estado.

Vocês sabiam que o Museu Café Filho já teve sua obra concluída e apesar de manter o nome de “Museu Café Filho” ele não tem mais nada do potiguar ex-presidente do Brasil por lá?

Todo o trabalho desprendido para reabrir esses espaços e iniciar essas obras é obrigação, não é mérito. Mérito seria se tivesse tido celeridade, transparência, responsabilidade com a máquina e o dinheiro públicos. E que aliado ao início dessas diversas obras tivesse também investimento na cultura e na arte em suas formas imateriais, nas pessoas, nos artistas e consequentemente no público potiguar que teria mais obras artísticas circulando pelos municípios para sua fruição.

Consulta Pública e Decretos é só jogada de marketing eleitoral

Quem conhece o produtor cultural e atual diretor da FJA, Amaury Júnior, sabe que ele utiliza muito bem o discurso que não está ali por política, está ali pelo bem da cultura e pelos artistas. Mas venhamos e convenhamos, não dá mais pra ficar com esse discurso por aí. Todo cargo político é um cargo político, principalmente quando você é indicado por outro político e por você ocupar um cargo em um governo de um outro político que deseja muito se reeleger. E para isso você acaba tomando algumas atitudes “políticas” que se esforçam em ser alguma tábua de salvação do atual gestor. Abaixo falarei sobre as Consultas Públicas que estão abertas para contribuições da sociedade e sobre um decreto que modifica a Lei Câmara Cascudo.

  1. Consulta Pública sobre uma nova Lei do Patrimônio Imaterial

Tentei consultar a Lei da década de 70 que trata do Patrimônio Imaterial, mas não achei nada. Então não consegui fazer uma análise comparativa, e meu olhar sobre o referido projeto de Lei acaba sendo somente sobre ele. Acho um retrocesso que em pleno ano de 2018, com tanta luta do movimento cultural para tocar com autonomia suas ações na área da cultura, que uma Lei seja proposta e coloque ainda a responsabilidade final sobre o que pode ser considerado Patrimônio Imaterial nas mãos da Secretaria de Educação. Outra coisa que acho um descompasso é a criação de mais um Conselho, totalmente formado por membros da Fundação José Augusto. Até entendo que tais membros sejam todos indicados, mas era fundamental que tivesse a participação de pesquisadores, mestres e griôs da cultura popular, além das pessoas com notório saber na área. Por fim, a última crítica que eu faço é que a referida da minuta nega a existência de um outro marco legal na área do Patrimônio imaterial e que mesmo com problemas em sua renovação mantém o salário de vários mestres da cultura popular e de grupos tradicionais em nosso estado. Refiro-me à Lei do Registro do Patrimônio Vivo (RPV), elaborada pelo Deputado Estadual Fernando Mineiro. E como trata-se de consulta pública, mandarei minhas contribuições para ninguém dizer que eu só faço criticar.

  1. Consulta Pública para o Prêmio Cine RN 2018

Vou ser logo direto sobre esse ponto: esse edital pode até ser lançado esse ano, mas não será pago nesse governo. E se for, virei aqui me retratar com vocês e pedir desculpas em público pela minha afirmativa. E não trata-se de pessimismo ou de discurso de um opositor, estou sendo apenas realista. Falo tudo isso, baseado em prazos que o poder público tem que cumprir, principalmente a partir do calendário eleitoral. A resolução nº 23.555 do Tribunal Superior Eleitoral diz o seguinte:

7 de julho – sábado (3 meses antes)

  1. Data a partir da qual são vedadas aos agentes públicos as seguintes condutas (Lei nº 9.504/1997, art. 73, incisos V e VI, alínea a):

II - realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou de serviço em andamento e com cronograma prefixado, bem como os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública.

Isso significa que até o fim do segundo turno não haverá nenhum novo repasse do Governo Federal para o Estado do Rio Grande do Norte. Então, vamos começar a juntar as peças desse quebra-cabeça burocrático. A FJA lança um edital para consulta pública dizendo que vai ter recursos federais e que essa verba sairá via um edital da ANCINE que nem foi lançado ainda, e muito provavelmente demore a ser lançado. Para isso a FJA e o Governo do Estado participará de uma chamada pública para ”Arranjos Financeiros Estaduais e Regionais” que demorará pelo menos 45 dias de inscrição e ainda teremos o tempo destinado à avaliação do projeto até sair o resultado e o Estado estiver apto pra poder lançar o seu edital local. Se a atual gestão da FJA e a Ancine forem “muito” céleres em seus processos podemos até vislumbrar que o edital Cine RN 2018 seja lançado em 2018. A experiência que temos na FUNCARTE, que já participou desse edital, é de lançá-lo num ano e só pagar dois anos depois. Um último detalhe sobre esse edital trata da forma como a gestão da Fundação José Augusto vem tratando os gestores passados, coincidentemente do mesmo Governador. Ao se referirem a tal consulta pública e também a diversos outros assuntos, eles esquecem que os gestores que os antecederam, nesse mesmo governo, deixaram algumas coisas bem encaminhadas. Inclusive o referido edital lançado em consulta pública é quase o mesmo que a equipe que compunha a gestão comigo deixou pronto e que foi feito junto com os militantes do Audiovisual do nosso Estado. E que na ocasião foi conseguido a aprovação no edital de “Arranjos Financeiros Estaduais e Regionais” da Ancine lançado naquele ano, mas que nosso governador, o mesmo que em seu desespero cultural faz jogo de marketing no setor cultural de seu governo, não quis assumir a contrapartida do Estado para que o edital viesse a ser lançado. Se é pra dar a César o que é de César, que se dê os verdadeiros descréditos ao meu ex-chefe. Se ele quisesse mesmo lançar o edital, pegava a emenda parlamentar de Mineiro (200 mil), colocava mais alguma coisa da fonte 100 e lançava esse edital com recursos locais.

  1. Modificação na Lei Câmara Cascudo

O último ponto desse meu texto tenta jogar luz sobre o debate, visto por alguns como algo muito bom, mas que pode vir a ser um problema para diversos produtores culturais do nosso estado, e que de fato não ajuda a diminuir as desigualdades existentes na distribuição de recursos da Lei Câmara Cascudo. Ainda em 2015, durante minha passagem pela FJA, iniciamos uma profunda pesquisa sobre as modificações da Lei, e que se seguiu nas Gestões anteriores, mas parece que foram jogadas fora pelos atuais gestores. No último dia 26 de junho, o governador Robinson Faria enviou a seguinte mensagem a Assembleia, solicitando a seguinte modificação na LEI NO 7.799 DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999 que dispõe sobre a concessão de incentivo fiscal para financiamento de projetos culturais no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte (Lei Câmara Cascudo):

Após diversas audiências e reuniões, no âmbito da Fundação José Augusto, com produtores culturais e de acordo com os estudos formulados pela Comissão Estadual de Cultura, propõe-se, com a presente alteração legislativa, isentar a empresa patrocinadora da obrigatoriedade de investir com 20% dos recursos próprios, e não da Lei Câmara Cascudo.

Com a presente proposta, esses 20% passam a ser, alternativamente, de responsabilidade do proponente, que vem a ser o empreendedor do projeto, e não apenas da empresa patrocinadora.

Essa mensagem enviada pelo Governador à Assembleia trata de modificar os seguintes pontos da Lei:

  • 1º. O incentivo de que trata o caput deste artigo limita-se ao máximo de 2% (dois por cento) do valor do ICMS a recolher, em cada período ou períodos sucessivos, não podendo exceder a 80% (oitenta por cento) do valor total do projeto a ser incentivado.
  • 2º. Para poder utilizar os benefícios desta Lei, o beneficiário deverá contribuir com recursos próprios em parcela equivalente a, no mínimo, 20 % (vinte por cento) do valor total da sua participação no projeto, através de numerário, cheque ou o equivalente em mercadorias.

Primeiro quero falar o porquê de eu achar um grande desperdício de força e debate o envio dessa mensagem a Assembleia. Se o governador hoje tem trânsito e condições de aprovar algo na Casa Legislativa do nosso estado, por que ele não envia uma proposta mais completa sobre a modificação na lei, e vai mais além e não propõe uma modificação mais qualitativa no sistema de financiamento à cultura em nosso Estado? Em seu desespero cultural e eleitoral há um desprendimento de força desnecessário e de pouco efeito em nossa área. Por exemplo, o debate que diversos produtores culturais fazem sobre o escalonamento desses 2% do valor do ICMS recolhido das empresas não entrou em pauta. Para ilustrar ainda mais para vocês, se uma empresa tem 100 mil reais recolhidos, significa que ela só pode financiar 2 mil reais em um projeto. Acontece que empresas de pequeno porte nunca poderão contribuir por causa dessa pequena porcentagem. A proposta de escalonamento tenta fazer com que os 2% se mantenha para empresas de grande porte e de alto recolhimento, como a COSERN (maior patrocinadora de nosso estado), mas que possa aumentar de acordo com o tamanho de recolhimento de cada empresa. Caso ela tenha menos ICMS recolhido, maior seria essa porcentagem, e tudo isso seria regulado pelo limite de financiamento que é feito via decreto anualmente pelos governadores. Mas sobre a mudança proposta pelo governador, confesso que tenho muito medo do que ela pode vir a gerar. Seria muito melhor que o Governo aumentasse para 100% o financiamento da empresa no projeto, e não jogasse nas costas do produtor cultural a obrigação de arcar com os 20% do projeto. Em suma, isso pode gerar o seguinte: se um produtor tem um projeto no valor de 100 mil reais e a empresa só pode financiar 80 mil desse projeto, o produtor deverá arcar com 20 mil reais a partir de outras fontes de financiamento. Que outras fontes são essa? Como o produtor cultural vai comprovar na prestação de contas a entrada e o uso desse valor no seu projeto? Será que não abrirá espaço para os “jeitinhos”? Ou para a corrupção? A impressão que tenho é que essa mudança só favorecerá os projetos com grande poder de captação e que já são tarimbados no mercado. Por isso é que acho precipitada e desnecessária que a Lei passe apenas por essa modificação e sem nenhum debate público acerca do efeito dessa modificação.

Por fim, espero que esse texto não seja lido com o olhar da disputa eleitoral político-partidária. Que seja lido como uma modesta contribuição de alguém que esteve do lado de lá do birô nesse mesmo governo, e que em pouco tempo que passei por lá, já via que não tinha muito pra onde ir com a total falta de empatia e de conhecimento de Robinson com o setor cultural. E em seu desespero pré-eleitoral ele pode não ajudar muito a modificar as coisas. Se ele tivesse mesmo preocupado com o futuro das políticas culturais, aproveitava o fim do seu mandato e a maioria que tem na Assembleia para fazer mudanças profundas e marcantes para nossa área. Mas nesse tempo de pré-campanha, é melhor fazer ações pontuais que tentem salvar o seu foro privilegiado.

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