Juro que nesta terça pensei em escrever texto neste espaço que não fosse sobre a situação política do país, sobre o desgoverno que nos adoece, sobre esses dias sombrios, enfim. Pensei em escrever sobre comportamento humano, nuances do cotidiano, até iniciei dois ou três textos neste sentido.
Mas o Brasil não deixa sairmos da pauta. A de hoje foi tomada pelo vídeo amplamente divulgado na qual um jantar reúne em São Paulo parte da elite econômica brasileira e chamou a atenção o momento em que o humorista André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho (pré-candidato do PSDB ao governo do Rio e suplente de Flávio Bolsonaro) imita de forma jocosa o despresidente, fazendo todos gargalharem, incluindo Michel Temer, que estava à mesa.
Muita coisa chamou a atenção na cena. A primeira, claro, foi a velha reunião de homens brancos velhos e ricos se regojizando indiferentes aos caos político e econômico do país onde vivem sem na verdade se integrar a ele. A segunda foi que, como observou nas redes o escritor Pablo Capistrano, não estavam rindo com Bolsonaro, mas de Bolsonaro. É isso. O "mito" já é piada e motivo de chacota entre a elite que o colocou e o sustenta no poder. Inclusive todos sabiam que estavam sendo filmados. Mas não estavam nem aí. Por que estariam? Bolsonaro não manda mais em nada mesmo, nunca quis governar e agora está nas mãos do Centrão e do STF.
Mas vamos nos deter na cena grotesca do perfil tantas vezes abordado aqui, do "homem-branco-hétero-rico" e sua postura. A dos ilustres senhores do vídeo mostra que, como já dito acima, eles desprezam tanto o sociopata que ocupa a cadeira de presidente da República como o povo brasileiro de maneira geral. Estão mergulhados no universo pessoal deles, de dinheiro e poder, viagens para EUA e Europa e compra de jatinhos e iates. Nos outros países do Mundo a "luta de classes" parece um conceito ultrapassado. No Brasil, é algo visível, palpável e cotidiano. Em termos. Há o conflito de classes, mas, raramente a luta propriamente dita. Que a elite econômica conta com aliados entre a classe trabalhadora, convencida que foi que é "classe alta", que é "empreendedora".
Digressões sócio-econômicas, vemos pelo vídeo, não obstante o talento na imitação e inteligência do humorista, o senso de humor agressivo e compulsão para o deboche que a elite tem. Riram de Bolsonaro, mas também riem de todos nós quando não estão sendo filmados. Em um filme clássico, "O discreto charme da burguesia", o cineasta espanhol Luis Buñuel mostrou as vísceras da elite. O compositor Cazuza em canção também já clássica dos anos 1990 cantou que "a burguesia não tem classe e nem é discreta", o que Buñuel tentou dizer com o título irônico do seu filme e que também intitula este texto.
Em tempos de Bolsonaro a burguesia/elite não apenas não tem charme e não é discreta, como ainda flerta com o fascismo. E não nos surpreendemos se no próximo jantar Bolsonaro for chamado para contar as piadas de tiozão tosco que ele adora.