Corrupção na política potiguar tem raiz no sistema oligárquico
Natal, RN 28 de mar 2024

Corrupção na política potiguar tem raiz no sistema oligárquico

16 de setembro de 2017
Corrupção na política potiguar tem raiz no sistema oligárquico

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A investigação de deputados e senadores do Rio Grande do Norte por crimes de corrupção que vieram à tona durante a semana revelam uma ligação estreita da política tradicional potiguar com a atividade ilícita. Levantamento da agência Saiba Mais publicado terça-feira mostra que mais da metade da bancada federal é investigada por crimes de corrupção no Supremo Tribunal Federal. Um dia depois, o procurador geral da República Rodrigo Janot apresentou denúncia contra o senador José Agripino (DEM) por cobrar propina na obra da Arena das Dunas. Na quinta-feira foi a vez do ex-deputado Henrique Eduardo Alves aparecer com destaque na denúncia de Janot como membro da organização criminosa do PMDB.

Para o cientista social Willington Germano, 70 anos, o envolvimento de políticos tradicionais do Estado com esquemas de corrupção confirma a manutenção de um sistema oligárquico no Rio Grande do Norte e revela a dificuldade de renovação política no Estado. É que o ex-deputado Henrique Alves, os quatro deputados da bancada federal (Felipe Maia, Walter Alves, Fábio Farias e Rogério Marinho) e os dois senadores (Garibaldi Alves e José Agripino Maia) investigados no STF representam famílias com peso histórico na política potiguar.

O senador José Agripino Maia, que responde a quatro inquéritos no STF, é pai do deputado federal Felipe Maia, que também deve explicações ao Supremo sobre uma ação. O senador Garibaldi Alves que responde a um inquérito no STF é pai do deputado federal Walter Alves, também investigado em um inquérito pelo mesmo tribunal. Já o deputado federal Fábio Farias, outro parlamentar investigado numa ação no Supremo, é filho do atual governador do Estado Robinson Faria, que não é deputado nem senador mas também teve este ano uma investigação aberta a pedido da procuradoria geral da República no Supremo. Por fim, o deputado federal Rogério Marinho, recordista de inquéritos abertos no STF, é filho do ex-deputado federal Valério Marinho.

Outra “coincidência” da bancada parlamentar apontada pelo cientista social está no poder midiático. Os deputados e senadores na mira do STF detém concessões de rádio e televisão espalhados pelo Estado ou financiam os próprios espaços nos meios de comunicação da imprensa tradicional.

- Esse percentual alto de 54% da bancada é do sistema oligárquico, que aponta a dificuldade de renovação política no Estado. Todos são donos de mídias, canais de televisão, jornais impressos, ou seja, possuem o monopólio midiático, o que não é possível em nenhum país do mundo. Nos EUAs, por exemplo, é proibida a propriedade cruzada, quando uma pessoa ou família é dona de mais de um veículo. Aqui não. E com isso, fazem circular um discurso único.

Germano faz uma relação entre as investigações abertas contra parte da bancada potiguar e a atuação desses parlamentares em votações-chave nos últimos dois anos.

- São parlamentares atuantes, mas a serviço de interesses que não são os mesmos interesses do povo. Esses deputados e senadores estão votando propostas que aumentam a concentração de renda, destroem a cidadania e liquidam com os trabalhadores. Isso só aponta para a falácia do discurso moralista. Como eram contra a corrupção ? Quem foi clamar em favor do moralismo foram os mesmos que estão aí investigadas.

Na atual conjuntura, o caso do senador José Agripino Maia é emblemático. Germano lembra que as pessoas que pedem a volta do regime militar esquecem que o investigado Agripino tem origem na ditadura.

- Essas denúncias confirmam tudo o que estamos dizendo. Mas é importante destacar o senador José Agripino. Investigado por corrupção, que entrou para a política apoiado pelos militares.

Elite sem projeto

Analisando a política de forma geral, o cientista social Willington Germano só enxerga uma alternativa: a mudança do atual sistema político, o que precede uma ampla reforma no modelo vigente. Segundo ele, a política é uma mercadoria no Brasil.

- Isso (percentual de políticos investigados) dá conta do sistema político e eleitoral que precisa ser revisto. O que existe na verdade é uma “mercadorização” da política numa escala sem precedentes, que fere de morte a democracia e nos mostra uma necessidade de fazer uma verdadeira reforma politica, para restringir esses aspectos.

A restrição do poder do dinheiro na política precisa acontecer de fato, avalia o cientista social da UFRN. E essa etapa só poderá ser cumprida com uma mudança radical no sistema político do país.

- As sociedades mercantis são suscetíveis à corrupção desde o mundo antigo, mas a situação se agrava em determinados momentos, como na sociedade brasileira, porque é uma sociedade muito desigual. Os políticos que se voltaram para o povo, para as escalas mais humildes, foram todos acochados do poder. Foi o caso de Vargas, de João Goulart e da Dilma. Tudo por causa de uma elite que se locupleta e não tem projeto para o país. Esse sistema político brasileiro é movido para defender interesses dos poderosos, do ponto de vista interno e externo, voltado para o mercado. O (Michel) Temer, por exemplo, comprou deputados no mercado político, na conta de um sistema político que precisa ser modificado radicalmente.  

O discurso moralista conservador que ganhou força e apoio da imprensa tradicional é duramente criticado por Germano. Para, uma operação de combate à corrupção que vem quebrando empresas brasileiras não pode fazer tão bem assim para o país.

- Todo tipo de corrupção deve ser combatido, em qualquer lado. Agora a Lava jato faz mais mal do que bem ao país porque está quebrando as empresas. A Alemanha não deixaria nunca que se quebrasse a Volkswagen nem os EUA deixariam que se fizesse isso com a Ford. Aqui no Brasil a indústria naval foi aniquilada. Porque o mundo quebrou em 2008 ? Por causa de operações criminosas nos bancos dos EUA. Qual foi a imprensa que disse que aquilo era corrupção ?

Germano também chama a atenção para os interesses geopolíticos externos que ainda permeiam o golpe. A venda de territórios nacionais, a exemplo da Amazônia, fazem parte do pacote.

- Não podemos esquecer nesse momento da geopolítica, especialmente das nossas riquezas naturais. É bom lembrar que existem fatores externos ao golpe e os políticos têm avalizado tudo, vendendo o país. Além dos ataques aos direitos sociais trabalhistas, o aumento da concentração de renda e à perda da soberania nacional, a venda de territórios, a entrega do nosso patrimônio a grupos internacionais, tudo isso está em jogo. Com o apoio da bancada do Rio Grande do Norte, com as raras exceções da senadora Fátima Bezerra e da deputada Zenaide Maia.

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