O Judiciário e a Política: um equilíbrio necessário
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O Judiciário e a Política: um equilíbrio necessário

13 de maio de 2018
O Judiciário e a Política: um equilíbrio necessário

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Nos últimos dias tivemos mais uma vez o Judiciário como fonte geradora de notícias relevantes em nossa cena social e política. Deliberando sobre novos recursos da defesa do ex-presidente Lula ou decidindo sobre a delimitação do foro por prerrogativa de função de parlamentares, o STF mantém-se no fluxo daquilo que o entrelaça inevitavelmente com a Política, fazendo dele, intencionalmente ou não, um dos agentes que protagonizam esse jogo.

Contudo, esse panorama não retrata uma paisagem de estabilidade na relação entre o Judiciário e a Política, ao menos até o momento.

Em estudo apresentado no Colóquio Internacional “Direito e Justiça no Século XXI”, ano de 2003[1], José Eduardo Faria citou o relatório do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra/Portugal (CES) sobre os Tribunais nas sociedades contemporâneas. Ali, já era visível o que foi classificada como uma ‘crise’ a atingir o Poder Judiciário nas suas três funções básicas: a instrumental (o tribunal como locus de resolução de conflitos), a política (o tribunal como mecanismo de controle social, fazendo cumprir direitos e obrigações, bem como fortalecendo as estruturas do poder vigente e integrando a sociedade) e a simbólica (o tribunal como disseminador do sentido de equidade e justiça na vida social e moldando os padrões vigentes de legitimidade da vida política).

Passados alguns anos desse diagnóstico, fácil é observar que ainda seguimos às voltas com tais dificuldades e uma das que mais nos chama a atenção atualmente seria o difícil relacionamento entre o Judiciário e a Política.

Antes de tudo, importa ressaltar que Direito e Política estão intrinsecamente relacionados, pois estariam unidos desde o plano da criação da norma como resultado de um processo de decisão democrática, sendo (o Direito), portanto, um produto dela (da Política). Nesse aspecto, também serve a interesses políticos, forjando-se segundo a tensão de forças historicamente determinadas, ao mesmo tempo em que também atua como instrumento de legitimação e limitação do próprio poder político.

Admitida essa relação no plano do nascimento da norma, seria no plano da aplicação que o Direito se separaria da Política. Daí resulta a equação do Estado de Direito no qual está evidente a função de legislar, de administrar e de julgar. Nestas três tarefas, a atuação dos juízes e dos tribunais deveria estar a salvo do contágio político, garantindo-se a independência do Judiciário em relação aos demais Poderes e fazendo do Direito um mundo autônomo. Assim, enquanto o universo da Política seria regido pelo ímpeto da vontade, o mundo do Direito estaria orientado pelo cerne da razão.

Com vistas a proteger a atuação judicial da influência “inadequada e imprópria” da Política, reza a doutrina tradicional que os órgãos judiciais não devem exercer ‘vontade própria’, mas sim atuar na realização da vontade política majoritária, expressa pelo constituinte e pelo legislador.

Contudo, a aplicação do Direito carrega em si mesma o exercício de um poder político. Seja em razão dos impactos das decisões (que possuem sensibilidade política), seja por força das motivações que interpelam cada julgador, a Política, como ato de vontade, está intrínseca ao ato de decidir.

Mas a questão ainda recebe outros contornos, quando acrescentamos, por exemplo, o surgimento de uma nova arena pública na qual muitos conflitos que estavam fora da agenda do Judiciário deixam de ser mediados pelos procedimentos políticos e passam a ser solucionados pelos procedimentos judiciais. Não apenas nesse campo, assistimos as variações de posição do Judiciário ao oscilar entre o exercício de seu papel constitucional (a defesa da ordem democrática e a proteção dos direitos previstos na Constituição) ou garantir a “governabilidade”, bem assim entre seguir a pauta estrita da lei ou relativizá-la, a depender do contexto de cada julgamento.

O que se apresenta é que embora o Direito e a Política estejam irremediavelmente relacionados, o Judiciário ainda não conseguiu ter uma relação equilibrada com aquela. Simulando ou dissimulando não ser Política, o processo de decisão judicial não raras vezes busca ocultar os determinantes de vontade, as inclinações ideológicas e as diversas influências de caráter eminentemente político que interpelam seu desenvolvimento.

Com a ampliação das funções jurisdicionais, a abertura de seu campo interpretativo e a incorporação de novos temas de grande transcendência política, talvez seja o momento de considerar que o viés político – no sentido amplo que aqui tratamos – integra o processo decisório, sendo necessário ser reconhecido e integrado à consciência. Assim, vislumbramos um caminho para o melhor equilíbrio entre Direito e Política, bem como para a influência do viés político na esfera cognitiva e operativa dos processos decisórios. A democracia agradece!

[1] FARIA, José Eduardo. Direito e Justiça no Século XXI: a crise da justiça no Brasil. Colóquio Internacional “Direito e Justiça no Século XXI”. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, 2003.

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