O Plano Diretor: o velho e o novo na cidade do Natal
Natal, RN 20 de abr 2024

O Plano Diretor: o velho e o novo na cidade do Natal

6 de março de 2020
O Plano Diretor: o velho e o novo na cidade do Natal

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Por Daniel Valença*

Nesta semana, o jornal Tribuna do Norte publicou duas notas, uma sobre o plano diretor e outra abordando a ocupação da orla de Natal. É verdade que, pela primeira vez, o tema “plano diretor" terá destaque no debate eleitoral municipal. No entanto, por mais que o jornal tente transparecer neutralidade, escamoteia a apreensão de vários aspectos da realidade visando atender a interesses dos empresários da construção civil.

Na primeira nota, o jornal tenta apresentar o que enxerga como um dilema: a cidade vai continuar restringindo o crescimento vertical na orla (diferentemente do que acontece em Fortaleza ou João Pessoa) ou permitirá a "modernização", seguindo a tendência nacional?

Quem conhece Fortaleza e João Pessoa sabe que, na realidade, suas orlas pouco têm em comum. Se a orla cearense se assemelha às orlas de quase todas as capitais brasileiras, a pessoense (assim como a natalense) se destaca por estabelecer controle de gabarito. Ou seja, os prédios próximos à orla não ultrapassam 4 pisos e, assim, preserva-se a paisagem que é única em relação à maioria das orlas do litoral brasileiro.

O mesmo ocorre em Natal: imagine o/a leitor/a se desejamos manter o padrão de orla atual da cidade do Natal, ou queremos que Ponta Negra, Praia do Meio, dos Artistas, do Forte e da Redinha sigam o modelo de Areia Preta ou adotem outro padrão que comprometa a vista do mar e do Forte dos Reis Magos, que se descortina desde a Av. Getúlio Vargas e Ladeira do Sol?

Como será nossa cidade em seus aspectos paisagístico, de tráfego, de sustentabilidade ambiental, dentre outros, se toda a orla natalense for ocupada por imensos edifícios que limitem o usufruto da singular paisagem da orla pela população em geral, reservando-a a restritos moradores, como se verifica em Areia Preta?

O jornal afirma que o controle de gabarito é o responsável pela “situação atual de degradação que tem marcado a ocupação da Praia do Meio, dos Artistas e Praia do Forte”. Primeiro, se a “degradação” decorre do padrão de altura dos edifícios, Ponta Negra deveria estar igualmente “degradada”, ou não? O sutil e perigoso dessa argumentação ideológica, porém, é que o “degradado” se refere às milhares de famílias que vivem em habitações de interesse social. Pobre, no “novo”, na “modernização”, não pode viver na orla.

Em 2010, na dissertação de mestrado “Terrenos de Marinha: terras públicas com função social? Um estudo da orla marítima de Natal”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN, apontei que as orlas marítima e fluvial de Natal apresentam um diferencial frente a qualquer outra do país: além da preservação da paisagem, que assegura maior bem estar à população e constitui-se em um trunfo para o setor empresarial do turismo, amplas camadas das classes trabalhadoras vivem próximas à orla e aos principais centros de oferta de emprego e renda. Em virtude das Áreas Especiais de Interesse Social – AEIS e de instrumentos urbanísticos como o controle de gabarito, milhares de famílias têm a oportunidade de viver nessa região, estigmatizada como sendo “degradada”.

Na verdade, essa especificidade da cidade do Natal, que vai na contramão do avanço da segregação socioespacial em todo o país – em que as classes trabalhadoras são expulsas para periferias distantes do seu ambiente de trabalho e de sítios naturais como a orla –, constitui um diferencial, que, caso somado a políticas públicas de esporte, cultura e lazer, podem produzir outro patamar de exercício do direito à cidade.

Por fim, na segunda nota, a Tribuna do Norte ensaia um trocadilho revelador dos interesses que o jornal/empresa representa, em que Natália Bonavides, a “jovem parlamentar”, estaria representando “a velha política”; e o prefeito Álvaro Dias, político antigo, representaria “a nova política”, a “modernização”. Ora, o que é "o novo", "o moderno", que as notas reivindicam?

Nada além da velha política de higienização, gentrificação e expulsão de pobres, tudo isso travestido em discurso ideológico. Ou seja, a “modernização” que a Prefeitura e a Tribuna do Norte defendem na revisão do plano diretor se traduz exatamente na exclusão dos bairros populares e dos tradicionais moradores da orla de Natal, e é contra essa velha política que lutamos e lutaremos.

* Daniel Araújo Valença é professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFERSA e Vice-presidente do PT/RN.

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