Os algozes da democracia e o IFRN
Natal, RN 20 de abr 2024

Os algozes da democracia e o IFRN

9 de maio de 2020
Os algozes da democracia e o IFRN

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Escárnio: zombaria; menosprezo; desdém.

O que dizer dessa resposta do pró-reitor interventor 3% do IFRN a um colega professor?

O e-mail do professor fazia referência à nomeação do Reitor ELEITO do IFRN pelo MEC, no dia 06/05, e a resposta zombeteira do candidato a reitor que recebeu 3% dos votos foi concomitante à divulgação da decisão do juiz do TRF-5, que cassou a liminar da juíza do TJ-RN.

O escárnio é o modus operandi desse séquito golpista. Escancara a total ausência de respeito à democracia. E, principalmente, o desrespeito àqueles que a defendem.

É a mesma postura do chefe do executivo federal, quando desdenha dos milhares de mortos por Covid-19; quando festeja tortura e vai a manifestações da ultra-direita pedir fechamento do Congresso e do STF; quando manda jornalista calar a boca; quando, pasmem!, anuncia um churrasco no momento em que o país atinge a marca de quase 10 mil mortos por Coronavírus! Até desse sujeito, que sempre enalteceu a ditadura, e que está no mais alto posto do executivo do país, quem não esperaria um gesto de humanidade? Esse gesto não vem. Porque a vivência dentro dos caprichos do seu próprio mundinho, apartado do resto da sociedade e sua diversidade, seus problemas, habituou-o a não enxergar absolutamente nada que não diga respeito a seu próprio círculo – de endinheirados, brancos, afeitos à contravenção. Satisfazer a gana desse pequeno grupo também passa pela destruição da democracia.

Os sinais da escalada autoritária e do desejo de sua plena consumação em nova ditadura são mais que fortes.

O “presidente” ensaia, enquanto o seu plantel vai minando as instituições. Intervenção na Polícia Federal, intervenção na educação... Principalmente, intervenção nas instituições de educação!

E isso só é possível, porque há, aqui, na base social, um segmento inescrupuloso, tanto quanto no andar de cima, e obsequioso por poder a qualquer custo.

No IFRN, basta uma olhada nas solicitações feitas pelo interventor logo que assumiu. Pedidos de usufruto de bens públicos – carros e motoristas à disposição; tentativa de nomear pessoas de suas relações pessoais, de fora da instituição, como cargos comissionados; tentativa de cancelamento de reunião do Conselho Superior – órgão máximo, colegiado e deliberativo do Instituto Federal; tentativa de calar a imprensa e o Reitor Eleito por vias judiciais;   ameaça a servidores e estudantes que faziam o plantão democrático de expulsão por vias da força policial; processo de pedido de “reintegração de posse da reitoria” (sic!) sem que tivesse sido “possuída”, como se incomodasse aos golpistas a presença de uns pouquíssimos membros da comunidade acadêmica no recinto; processo a servidor como forma de intimidação por “liderar” plantão democrático.

Como se vê, nada de relevante sobre o que é estruturante no funcionamento da instituição. A superficialidade dos atos atesta a visão da instituição como patrimônio privado de um pequeno grupo.

A intervenção que acontece no IFRN, no IFSC, na UFSC e em outras instituições públicas não pode ser vista como ato isolado. Tem que ser lida como um dos instrumentos, travestidos de legalidade, para se instalar um regime de exceção.

No IFSC, o álibi para a não nomeação do reitor eleito foi uma sindicância aberta para apurar proposta de campanha (pasmem!) do candidato que versava sobre o funcionamento da instituição no regime de 30h, de forma ininterrupta. No IFRN, uma sindicância aberta em função de denúncia de gente alinhada com a a direita (MBL) por atividade de responsabilidade de um evento do Movimento Fé e Política, para quem o campus Natal Central foi cedido no período de férias.

Esse é o simulacro do fascismo moderno, que usa o desvio do direito como instrumento de poder.

Infelizmente, o governo e seu séquito têm seus tentáculos também no judiciário, que, dividido, confunde a sociedade quanto ao que é o direito objetivo, operado em função da justiça e da legalidade, e o que é o direito que age em função de uma motivação política – o não-direito, diria. Aqui, o ritual burocrático se torna mero adorno, porque a intenção política já está posta.

A intervenção no IFRN dá o parâmetro: a juíza de primeira instância aplica o direito objetivo - pede explicações à União do porquê da não nomeação do reitor eleito, sobre o qual não há impedimento para assumir o cargo; a União não responde no prazo; a juíza concede a liminar para que o MEC nomeie o reitor eleito em 24h; o MEC descumpre, não nomeia e, nesse ínterim, ajuíza ao TRF-5 pedido de prorrogação de prazo para cumprimento da sentença; a juíza determina a nomeação novamente do Reitor eleito e, quando o MEC cumpre a determinação, publicando a portaria de nomeação do Reitor em DOU extraordinário no dia 06/05, ao mesmo tempo já está em curso a cassação do ato e consequente exoneração do reitor eleito e publicação da portaria mantendo o interventor. Detalhe: o texto que sai do TRF-5 é praticamente cópia do que defendeu o MEC. Aqui, o direito se transformou em motivação política, apesar do simulacro da sentença.

É surreal! Pesadelo! Estarrecedor! Não é somente a direção máxima do IFRN que está em jogo. É a base constitucional (CF, Art. 207) que garante a autonomia das instituições de educação que está na mira. Por conseguinte, está em jogo a própria democracia no país (CF, Art. 1º).

Para essa cruzada autoritária, os interventores têm papel fundamental. Por isso, são escolhidos a dedo – debochados, sem vergonha do que fazem, cínicos (“quem nomeia é o presidente”; “tenho orgulho de ser interventor”; 126 notas de repúdio à intervenção, dentre estas, 79 da comunidade interna, abrangendo todos os setores, dizendo: “não aceitamos um interventor!”, sem que estas ao menos corem as faces dos envolvidos). E, fundamentalmente, são eles dispostos a quebrar os princípios normativos da Administração Pública sem parcimônia.

É assim que o “kkkkkkkk” do Interventor 3% sobre a quebra da normalidade democrática no IFRN tem o mesmo peso do “E daí?” do presidente diante dos óbitos por Covid-19 avolumados sob seu (des)governo.

Se nós, povo brasileiro, não os fizermos engolir o riso e o deboche, só nos restarão mesmo os cadáveres.

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