Os Baús de problemas da Fundação José Augusto nº 2
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Os Baús de problemas da Fundação José Augusto nº 2

18 de julho de 2018
Os Baús de problemas da Fundação José Augusto nº 2

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Em meu último texto aqui no Portal Saiba Mais (leia aqui) listei alguns pontos que tentam elucidar tantas dificuldades enfrentadas pelo setor cultural junto a Fundação José Augusto e a sua ineficácia ao longo do tempo para implementar uma política cultural permanente, democrática e equânime. Quero concluir essa visão sobre os Baús de Problemas da FJA no artigo de hoje. Aqui me debruçarei sobre o Setor de Patrimônio e os Marcos Legais que atualmente norteiam as políticas públicas da Cultura do nosso Estado.

Lei Câmara Cascudo e Fundo Estadual de Cultura

Sobre leis que tratam do financiamento nós temos duas. A primeira foi aprovada em 1999 e reproduziu uma tendência nacional e em consonância com a Lei Rouanet em nível nacional. A década de 90 foi um período onde os modelos neoliberais ganharam muita força, e com isso surgiram legislações de cultura no Brasil inteiro que diminuíram a responsabilidade do Estado sobre a política cultural e jogaram essa responsabilidade em empresas que escolhem pra onde vai a verba, como e onde vai ser colocada sua marca. Ou seja, temos um grande número de projetos aprovados para captação, mas de fato temos pouquíssimos projetos patrocinados. Desde 2003, quando Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura começou a se pensar em maneiras alternativas de financiamento à cultura no Brasil que fossem além da Lei Rouanet. E editais de patrocínio direto entre Estado a sociedade civil começaram a ser implementados, de um destaque especial aos Prêmios da Funarte, onde o modelo de premiação isenta os artistas de pagamentos de impostos altíssimos.

Esses modelos de financiamento direto obrigaram o poder público a pensar novas formas de financiamento e consequentemente de pensar em como transformar em Leis essa políticas públicas. Começou a surgir o debate sobre a ampliação dos Marcos Legais da Cultura na busca de um Sistema Nacional de Cultura, nos moldes do Sistema Único de Saúde, com a criação de um pacto federativo voltado para a Cultura com repasse de fundo a fundo. Para que estados e municípios pudessem se adequar a esse modelo do Sistema Nacional de Cultura, eles teriam que seguir algumas prerrogativas básicas, como ter em seu escopo administrativo um órgão Gestor específico para a Cultura (Secretaria ou Fundação), Conselho de Cultura (com no mínimo de 50% de representantes eleitos pela sociedade civil), Fundo de Cultura e um Plano de Cultura. Toda essa introdução é pra dizer até onde o estado do Rio Grande do Norte caminhou. Temos um órgão gestor próprio para a Cultura (FJA, mas já devíamos ser Secretaria há muito tempo), temos um Fundo Estadual de Cultura (apesar de não ter ainda uma conta própria e dele nunca ter funcionado direito), não temos um Conselho nos moldes ideais do Sistema Nacional de Cultura (nosso conselho é de notáveis indicados pelo governador) e o nosso Plano Estadual de Cultura que, apesar de pronto, nunca foi aprovado pela Assembleia Legislativa.

Outro Marco legal importante é a Lei do Patrimônio Vivo de autoria do Deputado Estadual Fernando Mineiro, que trata da salvaguarda dos saberes de mestres e grupo tradicionais do nosso estado através de um salário vitalício. Em suma, em nível estadual temos apenas 3 leis aprovadas no âmbito da Cultura que favorecem a sociedade civil e a cadeia produtiva potiguar. E quando temos tão poucas leis abre-se espaço para que qualquer gestor público que entre na FJA queira fazer as políticas que ele tiver vontade.

Precisamos urgentemente criar uma política de Estado para a cultura, com participação e controle social através de um Conselho de Políticas Culturais e de Câmaras Setoriais que acompanhem e formulem tais políticas. É preciso unificar o Sistema de Financiamento da Cultura, onde a verba não utilizada na Lei de Incentivo possa ir para um Fundo com conta bancária própria, separada da fonte do Tesouro Estadual, conhecida também como fonte 100, ou indo mais além, equiparando os valores da Isenção Fiscal com a verba do fundo voltada para os editais, 3 milhões para cada por exemplo, mas com garantia que os editais aconteçam e sejam pagos.

Recentemente, vimos o Governador assinar dois decretos: um que visa isentar a empresa patrocinadora da obrigatoriedade de investir com 20% dos recursos próprios no projeto financiado por ela via Lei Câmara Cascudo. De fato, esse é um pleito antigo de artistas e empresários e que afastava algumas empresas com forte potencial de patrocínio. Em ano eleitoral o governador tem feito algumas coisas pra ver se salva o seu pescoço e consegue melhorar seus índices de rejeição diante da sociedade. No início do ano, o governador só havia liberado R$ 3 milhões para renúncia fiscal, atitude igual ao do ano de 2017, onde ele baixou de 6 milhões para 3 milhões tal valor de renúncia, mas em vésperas de eleição e sem mudança no cenário econômico, Robinson assina outro decreto na mesma linha eleitoreira, e adiciona mais 3 milhões à renúncia fiscal, igualando ao valor dos anos que antecederam 2017, com um total de 6 milhões. É atitude eleitoreira? É sim. Mas pelo menos é um mínimo de benefício para um estado tão escasso de políticas de financiamento para a cultura.

Setor de Patrimônio da Fundação José Augusto

Na minha curta passagem pela Fundação José Augusto, uma das conversas que tive e que foi uma das mais elucidativas sobre toda a problemática na qual a FJA está envolvida aconteceu com um dos arquitetos responsáveis pelo setor de Patrimônio. Não é novidade nenhuma que os setores de tombamento, preservação e fiscalização do Patrimônio Artístico e Cultural sempre incomodaram alguns políticos e empresários pelos seus interesses cruzados, muitas vezes pela especulação imobiliária quando tenta apossar-se de prédios ou perímetros urbanos tombados. Recentemente vocês viram o escândalo que envolveu o braço de direito de Michel Temer, Geddel Vieira Lima, no caso relacionado a interesses pessoais com um embargo de uma obra pelo IPHAN. Aqui no estado acontecem coisas parecidas. No caso do Hotel Reis Magos, por exemplo, que recebeu um “tal” de tombamento provisório da FJA, mas que tal processo só correu por força política, pois qualquer outro pedido de tombamento que é feito nas vias estaduais são praticamente arquivados por falta de mão-de-obra, por falta de equipamento, por falta de espaço, dentre outros problemas. Antigamente a Fundação contava com uma grande equipe de arquitetos, restauradores e outros profissionais que acompanhavam de perto obras e tombamentos dos prédios sob a tutela fiscalizatória do estado, muitas vezes os próprios funcionários faziam a restauração e colocavam diretamente a mão na massa. Só que ao longo do tempo o setor de Patrimônio deve ter incomodado muito os coronéis que por ali passaram. A sala que abrigava toda a pesquisa do referido setor, bem como arquivos e ferramentas de trabalho, foram do dia para a noite trancafiados e expropriados dos trabalhadores. Aos poucos, os funcionários que atuavam por ali começaram a ser relocados. Os materiais começaram a sumir, os profissionais adoeceram, outros pediram aposentadoria, se afastaram de suas obrigações e nesse tempo viram até tombamento de “terreno”, isso mesmo, pasmem: tombamento de “terreno” para justificar a construção de uma Casa de Cultura às pressas. Enquanto tudo isso acontece, nos deparamos com Casarões históricos sendo derrubados em todo estado, a Ribeira está cada vez mais desgastada pelas ações do homem e do tempo. Não temos uma política de preservação do Patrimônio porque não temos pessoas com autonomia e materiais suficientes para que a mesma seja implementada. Soube que essa semana a FJA publicou a minuta de uma nova lei para o Patrimônio. Confesso que ainda não li, mas com certeza renderá um artigo específico sobre a temática.

Tentativa de uma conclusão

São muitos problemas encaixotados em baús ao longo do tempo. Não é necessário só coragem pra enfrentá-los, é necessário conhecimento de causa, empatia e vontade política do gestor maior (nesse caso o Governador) para a mudança desse cenário de abandono, de mal-uso e de usurpação na qual estão inseridas a política cultural do nosso estado e a Fundação José Augusto. Chamei esse final do meu texto de “tentativa de uma conclusão” porque não sei até quando esses problemas se arrastarão. Quem sabe eu possa voltar um dia a escrever sobre esse assunto e tenhamos uma drástica mudança de cenário. Não custa nada sonhar.

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