Parlamentarismo e Soberania Popular
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Parlamentarismo e Soberania Popular

1 de setembro de 2017
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Na história do Brasil, em momentos de crises políticas, tem sido comum o surgimento de propostas de implantação do sistema parlamentarista de governo. Foi assim quando tivemos a malfadada experiência de 1961, após a renúncia do Presidente Janio Quadros, e, no momento atual, quando o país vive grave crise política e econômica, mais uma vez, o tema vem a debate, surgindo inclusive a proposta de um sistema "semipresidencialista", proposto pelo ocupante do Palácio do Planalto, Michel Temer. Vale dizer que, nas vezes em que a população foi chamada a se manifestar sobre a tema, através de plebiscitos, a adoção do parlamentarismo foi fragorosamente derrotada.

O Brasil viveu sua primeira exeriência parlamentarista no império, durante o chamado Segundo Reinado, após o periodo regencial. O parlamentarismo do Brasil imperial tinha Dom Pedro II como chefe de Estado, que detinha o poder de indicar o chefe de governo, sempre um membro do partido com maioria no Parlamento, leal ao imperador. O parlamentarismo do Brasil império tinha algumas características que o tornava sui generis: o Imperador possuía o chamado Poder Moderador, que lhe dava o direito de dissolver a Câmara a qualquer momento, e no caso de o grupo político do imperador não fazer maioria nas eleições para a Câmara de Deputados, o monarca podia simplesmente fechar o parlamento e convocar novas eleições, ou seja, não perdia nunca. Além disso, o Conselho de Ministros era subordinado à escolha do imperador. Assim, embora fosse formalmente um sistema parlamentarista, o poder era concentrado na mão de D. Pedro II. Este sistema durou até a proclamação da república, em 1889, quando adotamos o sistema presidencialista.

A segunda experiência brasileira com o parlamentarismo se deu em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, e, na verdade, se tratou de um golpe parlamentar para evitar a posse de João Goulart, então vice-presidente. A manobra também teve como efeito adiar o golpe militar, que viria três anos depois. Quando da renúncia de Jânio, João Goulart se encontrava em visita oficial a China. Naquela época o mundo vivia a “Guerra Fria” e Jango, coincidentemente, estava na China Comunista. Os três ministros militares, Odylio Denys, Silvio Heck e Grum Moss, vetaram a posse de João Goulart, em razão da aproximação deste com setores da esquerda e com os sindicatos. Este veto causou reações em setores civis e militares, aliados de Jango e defensores da legalidade, provocando grave crise institucional.

Visando evitar um golpe militar ou uma possível deflagração de uma guerra civil, e, ao mesmo tempo, assegurar a posse de João Goulart, ainda que com poderes limitados, foi, apressadamente, aprovada proposta da Emenda Constitucional instituindo o parlamentarismo, com previsão de uma consulta popular sobre o sistema dentro de quatro anos.

A experiência parlamentarista foi um fiasco, agravando a crise política existente, situação que fez com que o plebiscito previsto para 1965, fosse antecipado para janeiro de 1962, sendo o presidencialismo vencedor com mais de 82% dos votos. Vale dizer que, no pouco tempo em que tivemos a adoção do parlamentarismo, nada mais que três gabinetes caíram, tendo um deles, o liderado por Francisco Brochado da Rocha, do PSD do Rio Grande do Sul, durado apenas 63 dias.

Após tal experiência, a discussão sobre a implantação do parlamentarismo no Brasil voltou à baila na Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Naquela ocasião, boa parte dos constituintes eram favoráveis a tal sistema, que foi inclusive aprovado na Comissão de Sistematização, presidida pelo então Deputado Bernardo Cabral. Entretanto, em plenário, a proposta foi rejeitada, resultando numa Constituição com fortes traços parlamentaristas, como, por exemplo, a previsão de medidas provisórias e o excesso de competências do Poder Legislativo, que muitas vezes engessam ações do executivo, obrigando-o a fazer todo tipo de coalizão política e troca-trocas para sobreviver. A aprovação do sistema presidencialista pela constituinte provocou uma divisão no PMDB, tendo diversos senadores, dentre eles Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Richa, e vários deputados , deixado o partido para fundaram, em junho de 1988, o PSDB.

Derrotados na Constituinte, os parlamentaristas ainda conseguiram aprovar um dispositivo prevendo a realização de um plebiscito em 1993, para definir a forma (monarquia ou república) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). O resultado foi esmagador em favor da república presidencialista.

Indaga-se: seria possível a adoção agora do parlamentarismo sem a realização de novo plesbisito?

Embora o tema não seja pacífico, entendo que não.

A constituição Federal, em seu artigo Art. 14, estabelece que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III - iniciativa popular.

Além disso, a nossa Constituição estabelece, no seu artigo , parágrafo único, que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”.

Tais dispositivos deixam claro que o detentor maior do poder é o povo, sendo as suas manifestações, no exercício da democracia direta, soberanas, o que ocorre, obviamente, em caso de plebiscito e referendum.

Ora, se o constituinte de 1988 outorgou ao povo, soberanamente, decidir diretamente a forma de governo do Brasil, evidente que após feita a opção, que resultou em maioria avassaladora pró presidencialismo, somente o povo novamente, de forma direta, em novo plebiscito, poderá rever a decisão.

A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal em 1997 e, até hoje, não foi decidida. Trata-se do Mandado de Segurança nº 22.972, que foi ajuizado pelo então deputado Jacques Wagner para tentar impedir a tramitação de PEC que visava implantar o parlamentarismo no país. Na ação, Jaques Wagner sustenta que o sistema de governo só poderia ser mudado por meio de plebiscito. A ação, que já recebeu parecer favorável do Procurador-Geral de República, vem tramitando a passos lentos, tendo sido inicialmente distribuida para a relatoria do do ministro Néri da Silveira, que negou a liminar. Em 2002, quando o Ministro Néri da Silveira se aposentou, a relatoria passou para o Ministro Ilmar Galvão, que também veio a se aposentar, passando a relatoria para o Ministro Carlos Ayres Britto, tendo após a sua aposentadoria, em 2012, a relatoria sido transferida para o ministro Teori Zavascki, que veio a falecer, estando atualmente a cargo do Ministro Alexandre de Morais.

O julgamento desta ação poderá balizar a forma de discussão do tema, já que decidirá se o parlamentarismo pode ser implantado por simples Emenda Constitucional ou se somente mediante consulta popular através de plebiscito.

O fato é que, independente da discussão teórica e ideológica sobre qual modelo de governo é melhor, o que não é objetivo deste artigo, é de se reconhecer como equivocada e desonesta a propositura casuística de PEC para instituir o parlamentarismo em nosso país somente com o objetivo de beneficiar grupos políticos que, em eleição direta, teriam poucas chances de êxito, ou para minar a possibilidade de vitória de qualquer candidato. Ou seja, a proposta é um vergonhoso casuísmo que fere a opção democrática feita pela população, em plebiscito, e que espera poder eleger o seu presidente em 2018. É, sem dúvida, um ataque direto ao Estado Democrático de Direito.

A ideia, proposta por um governo absurdamente impopular, sem legitimidade e isolado da sociedade, cujo presidente encontra-se denunciado no STF, leva-nos a conclusão de que, se aprovada emenda parlamentarista sem consulta popular, a grave crise política que atravessamos será ainda mais agravada.

Que a história não se repita, nem como tragédia, nem como farsa.

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