“Pensem, lutem e não se submetam a ninguém”
Natal, RN 18 de abr 2024

"Pensem, lutem e não se submetam a ninguém"

10 de setembro de 2017

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Fotos: Vlademir Gomes/Ilustração: Gabriel Novaes

O jornalista Franklin Martins, 68, é um dos principais defensores da implementação do marco regulatório da mídia no país. Para ele, a criação de monopólios e oligopólios pelas empresas de comunicação coloca em xeque a democracia brasileira, em razão, sobretudo, da ausência de pluralidade nos discursos. Aliás, Martins acredita que a mídia teve um papel decisivo no golpe de 2016 que derrubou a ex-presidenta Dilma Rousseff. “A mídia organizou e legitimou o golpe”, afirma.

Com uma trajetória ligada à luta armada durante a ditadura militar nas décadas de 60 e 70 – quando atuou no famoso sequestro do embaixador americano Charles B. Elbrick para forçar o governo militar a libertar 15 presos políticos -, Franklin Martins foi comentarista político da Rede Globo até 2006, e ministro chefe da Comunicação Social no governo Lula, entre 2007 e 2010.

No final de julho, o jornalista foi convidado pelo Governo da Paraíba para participar da abertura do seminário “Pense: Ciclo de Diálogos Contemporâneos”. Franklin Martins falou sobre ‘Mídia, Poder e Cidadania’ e, após o debate, conversou com a agência SAIBA MAIS sobre monopólio, regulação da mídia e outros temas.

O papel da mídia no golpe

Franklin Martins - A mídia, especialmente as grandes redes de televisão e, em especial, a Rede Globo, jogaram um papel de ser a face pública que organizava todo o processo, seja organizando as manifestações, convocando as manifestações como se fosse um partido politico, suspendendo a sua programação para cobrir as manifestações em tempo real, ou seja, assumiram para si um papel que era de um partido político.

E depois que foi dado o golpe, a mídia passou a assumir o papel de legitimá-lo, com todos os seus discursos. Primeiro negando o golpe, chamando-o de impeachment constitucional absurdamente justificado. Segundo, com aquela conversa “ah, a economia vai se ajeitar e, logo, logo, tudo vai ficar bem.” E depois com uma campanha procurando sempre concentrar as denúncias de um lado e poupar os de outro, como se a corrupção não fosse uma questão do sistema político, mas de um ou outro agente, de um ou outro partido. Esses três discursos desmoronaram e a mídia, hoje em dia, olha para o teto e está procurando outro discurso.

Os anos recentes deixaram claro que, ou o país democratiza e pluraliza a comunicação social, ou o país tem mais vozes para a comunicação social, ou ele seguirá sendo tutelado, amordaçado, manipulado e censurado pelos grandes órgãos de comunicação. Não há democracia com o monopólio ou o oligopólio da mídia. Isso vale para a Alemanha do Hitler, para a União Soviética do Stalin, para o Brasil do Estado Novo de Vargas, e para o Brasil de hoje. Ou temos muitas vozes ou temos manipulação.

Regulação da mídia

Franklin Martins – A regulação da mídia precisa acontecer no Brasil como aconteceu em todo lugar do mundo em que se abre uma discussão na qual você garante a liberdade de imprensa plena. Mas, ao mesmo tempo, procura fazer com que concessionários de um serviço púbico tenham obrigações a cumprir como em qualquer serviço público. A regulação existe em todos os países e em todas as grandes democracias do mundo. Mas não é uma coisa de um decreto de um presidente, um acerto de um partido ou de outro. A regulação da mídia é um debate público que tem que ter na sociedade. O problema é que a grande mídia quer interditar esse debate porque ela não aceita nenhum tipo de regulação, simplesmente porque ela quer estar acima de tudo. Inclusive, sendo concessionária de serviço público, sem obrigações no exercício dessa concessão.

O marco regulatório atual é velho, antigo e ultrapassado. O código geral das telecomunicações que regula rádio, televisão e telefonia é de 1962, foi atualizado depois para a questão da telefonia, mas não para a radiodifusão. Quando o código geral entrou em vigor, há 55 anos, não havia TV em cores, satélite nem rede nacional de televisão. Haviam dois milhões de aparelhos de televisão no Brasil, ou seja, existiam mais televizinhos que televisão. Ou temos um marco regulatório moderno e democrático, ou caímos no que costumo chamar de faroeste caboclo, que é o vale tudo, o desrespeito, como é hoje. A Constituição diz que não pode vender horário de televisão, mas se vende. Parlamentares também não podem ser donos de canais de televisão, mas são. Concessões de radiodifusão não podem ser transferidos para outros concessionários, mas são. Ou seja, vale tudo.

Acredito que estamos vivendo um momento de virada. Isso é possível, desde que haja regulação. Monopólio e oligopólio são incompatíveis com a democracia, direitos humanos e avanços sociais porque o monopólio concentra poder na mão de quem já tem poder, e que vai exercer esse poder sem contrapeso, sem crítica que tenha o mesmo peso que ele tem, o que desequilibra a disputa política, desequilibra a formação de opinião. E estabelece a censura sobre o espaço público.

Regulação x censura

Franklin Martins – Essa gritaria que a imprensa faz de que está ameaçada dizendo que regulação é censura, isso é conversa pra boi dormir. A liberdade de imprensa é essencial para a democracia. Mas a imprensa é e deve ser responsável por aquilo que ela divulga. A imprensa deve ser retificada quando erra, especialmente quando os erros são cometidos por má fé, quando pratica o chamado jornalismo de manipulação, um jornalismo muito em voga no Brasil hoje em dia.

Eu, pessoalmente, não defendo a regulação de jornal. O empresário, o sindicato, a corporação foi lá e botou o dinheiro dele, então ele fala o que quiser, sendo responsável pelo que fala. E se atingir a honra de alguém deve ser responsabilizado, garantindo direito de resposta, à privacidade e tal.

É diferente o caso de radiodifusão porque não é uma coisa do empresário. O empresário ocupa um espaço no espectro eletromagnético, que é um bem infinito e do Estado, da sociedade. Então, se ele ocupa aquele espaço, ele está tendo a concessão de um serviço público. Do empresário pode ser a máquina, o prédio, as mesas, mas o espaço eletromagnético, a frequência da rádio, é uma concessão. E concessão, em qualquer lugar do mundo, tem que ser regulada. Tudo o que é concessão de serviço público tem que ser regulado. Concessão para explorar petróleo ou uma mina de ferro, água, transporte público, distribuição de energia, de gás, o que for... se for uma concessão, tem que ter regulação. E regular uma concessão é ter normas claras, com obrigações que devem ser cumpridas pelo concessionário. Por exemplo: se eu tenho a concessão de uma linha de ônibus, esse ônibus tem que passar de 10 em 10 minutos, e não de 50 em 50, caso contrário tem que ser punido. Numa regulação há obrigações, um ambiente de regulação e um órgão que faça o concessionário cumprir.

Experiências de regulação

Franklin Martins – Sendo algo que tem a ver com a democracia, com o estado de direito e com a convivência social, sem regulação da mídia fica muito difícil que certos limites não sejam ultrapassados. Todos os países democráticos têm mecanismo de regulação para a comunicação. É que existe a compreensão de que a pluralidade é fundamental e de que o oligopólio é uma ameaça. É assim nos EUA, na Grã Bretanha, na Alemanha, na França, na Espanha, em Portugal, na Suécia, na Argentina, no Equador. Em todos os países existem normas e você tem que cumprir e, se não cumprir, sofrerá punição. Em alguns países, há inclusive a regulação do conteúdo. E isso não significa que você só possa falar bem do Governo, mas deve dizer o seguinte: as suas reportagens devem ouvir os dois lados. A França chega a dizer que, além dos dois lados, o veículo também deve ouvir o Estado, algo que eu pessoalmente discordo porque é um privilegio ao partido que está no Governo, mas há uma preocupação de ter um certo equilíbrio. Nos EUA, não tem regulação de conteúdo, mas tem regulação econômica. Lá é proibida a propriedade cruzada dos meios de comunicação, ou seja, quem tem um rádio num Estado, não pode ter jornal nem televisão nesse mesmo local. No Brasil, um mesmo grupo tem jornal, rádio e televisão.

Censura

Franklin Martins – O Brasil assistiu – em abril de 2017 - a maior greve geral dos últimos 40 anos. Mas os jornais, rádios e televisão não falaram sobre isso. E quando falaram foi para dizer que atrapalhou o trânsito. Em qualquer lugar do mundo, uma greve dessa magnitude seria coberta por todos os jornais progressistas, conservadores, de centro, porque era um fato de relevância nacional. Isso se chama censura. Censuraram a existência da greve. Quando queriam ativar as manifestações para o impeachment da Dilma, entravam em tempo real o dia inteiro convocando as famílias para as manifestações. Isso lá é função de órgão de comunicação ? Isso é função de partido político, de organização social. (A imprensa tradicional) vai muito além do que pode, e isso gera um seríssimo problema.

Contradições na imprensa

Franklin Martins – Vim de uma família de jornalistas, meu pai foi jornalista e preso várias vezes no Estado Novo, da Era Vargas. Me criei num ambiente para quem a liberdade de imprensa era algo fundamental, decisivo, sem a qual a democracia não existe. Mas vamos ter claro uma coisa: a imprensa vive sempre uma grande contradição. Ela é um espaço público, trata de coisas públicas, está num espaço onde o público vai para conhecer coisas públicas, mas é mediada por interesses privados. Isso é uma contradição que não é do Brasil de hoje. A imprensa tem interesses políticos, às vezes partidários, corporativos, dos acionistas, econômicos que são particulares, mediando aquela cena, aquele espaço público. Isso não quer dizer que você não possa ter uma boa imprensa, mas existe essa tensão permanente.

Então, se houver contrapeso, se tiver pluralidade, torna possível encarar de forma mais pública o espaço público. Caso contrário, se não houver pluralidade, a tendência é que os interesses privados prevaleçam sobre o público.

A naturalização do oligopólio da mídia

Franklin Martins – A naturalização do oligopólio é terrível porque fica parecendo que o espectro magnético é da Globo, da Bandeirantes, do SBT, quando é do povo brasileiro. A mídia interdita esse debate através da falácia da liberdade de imprensa. E os políticos têm medo de enfrentar esse assunto porque a imprensa mostra muito claramente que quem mexer com a imprensa, ela vai para cima. E se isso não dá voto, o político não entra nessa discussão. Geralmente, quem enfrenta são poucos, isolados.

Surgimento de coletivos de jornalismo independente no Brasil

Franklin Martins – Uma das coisas mais importantes que está acontecendo é que gente jovem e gente da antiga vêm montando coletivos ou tendo iniciativas que procuram fazer jornalismo, ancorando-se no fato, de que os custos de produção, principalmente na internet, caem bastante. Não é simples manter isso. O mecanismo tradicional de financiamento da imprensa, que é a publicidade, é um problema sério porque o Google fica com 8 décimos do valor da publicidade e isso é um problema para os grandes jornais e para os pequenos também. Como fazer isso ? ”Ah, vamos vender assinaturas”. Mas não é uma coisa simples porque as pessoas já se acostumaram a ter informação praticamente gratuita na internet. Esse é o grande desafio desses coletivos, blogs, portais... aqui no Nordeste, em vários Estados você têm iniciativas muito importantes de jornalistas que montaram portais noticiosos de excelente qualidade, e que incomodam muito os grandes jornais, as grandes corporações. Acho que no Nordeste e na Amazônia esse processo se deu de uma forma mais ampla... talvez porque os grupos nos Estados não sejam tão poderosos como no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Mas como financiar ainda é o grande problema. Não existe uma solução.

Governos Petistas e o marco regulatório das comunicações

Franklin Martins – Se avançou muito pouco. Eu acho que os governos progressistas, democráticos, tiveram três fases. A primeira foi a fase da ilusão, que marcou a primeira parte do governo Lula. Foi a fase do “não temos que mexer nisso, a gente conversa com todo mundo e vai dar tudo certo.” Essa fase morreu, de certa forma, com o Mensalão. Ali se sentiu que os meios de comunicação poderiam transformar um fato numa crise e partir para cima para tentar destruir o governo. Eles fizeram isso. Não conseguiram, mas tentaram. A partir daí, as forças políticas do governo se reuniram e disseram: “não dá para a gente ficar olhando para o teto assoviando e eles fazendo o que quiserem“. E passou para a segunda fase. Essa foi a fase da disputa, e não da submissão. Uma fase em que o Governo passou a tentar construir sua agenda. Realizou a Conferência Nacional de Comunicação, na qual os grandes veículos se retiraram porque queriam interditar o debate. O Governo então partiu para ter a construção da empresa pública de comunicação que foi a EBC, que desde o inicio foi bombardeada, com a imprensa dizendo que era a TV do Lula... veja se alguém diz hoje que é a TV do Temer. O Governo fez várias coisas neste período, mas o mais importante foi fazer a disputa política.

A disputa política

Franklin Martins – Quando o presidente Lula me sondou para eu ser Ministro da Comunicação Social do Governo, eu disse para meu interlocutor: “desculpa, não vai dar certo. Eu não entendo porque o governo e o Lula não enfrentam e não fazem a disputa politica. Se não for para fazer a disputa política eu não quero porque isso é perda de tempo.” Tem que fazer a disputa politica toda hora, todo dia, toda semana estar disputando. Dois meses depois o Lula me chamou, eu falei isso pra ele e ele respondeu: “mas isso é exatamente o que eu penso”. Eu não acho que era, mas como ele estava querendo me levar para o Governo e falou isso daquele jeito dele... foi bom porque isso abriu uma discussão boa de como deveria ser aquela relação.

Eu dizia: Lula, nós perdemos de 5 x 0 todas as disputas porque jogamos no campo do adversário, o juiz é do adversário, as regras são do adversário, a bola é do adversário, a torcida é do adversário, mas se nós entrarmos em campo e disputarmos o tempo todo, nós vamos perder de 4 x 1, de 3 x 2, um dia nós vamos ganhar de 1 a 0, mas nós vamos ter que fazer a disputa política. E eu me espanto que isso não tenha sido feito antes. O senhor fez um primeiro mandato bom, nota 7, e no, entanto, isso não ficou claro para a população porque não se fez a disputa politica.

O presidente dos EUA Theodore Roosevelt dizia que a presidência da República era um “púlpito cavalar.” E o presidente da República, se for para o embate, com o peso que ele tem, ele faz a disputa. E acho que o segundo mandato do Lula foi marcado pela disputa. Ele dava entrevista 5, 6 vezes por semana. E não dava (entrevista) só para a imprensa dita nacional não, ele falava para as rádios locais, do interior, o Lula falava com a imprensa internacional, conversava com blogueiro, ou seja, tratava todas as mídias. Ele não ficou preso nem paralisado pela grande mídia porque ele fez a disputa politica. Eu acho que, claro que não é o principal, mas a disputa política foi uma das razões para que, no segundo mandato dele, as pessoas entendessem os avanços que estavam acontecendo e, politicamente, ele acabou saindo com uma aprovação de mais de 80% e elegeu a sucessora. Porque fez a disputa política. E política sem disputa política não existe.

A verdade prevalecerá

Franklin Martins – A terceira fase foi a fase da contemplação. Era como se estivesse escrito nas estrelas e no céu que “a verdade prevalecerá.” Só que a verdade não prevalece. A gente sabe disso no nosso cotidiano. A verdade só prevalece se a gente lutar pela verdade. Jesus Cristo ficou três anos pregando de manhã, de tarde e de noite e, mesmo assim, na hora em que houve um plebiscito conduzido pelos homens do templo, ele perdeu para Barrabás. Veja como é complicada a política. Jesus perdeu a curto prazo, embora depois Barrabás e os homens do templo tenham ficado para trás. Mas isso mostra que tem que ter disputa politica.

Essa fase em que o Governo não fez disputa política foi a fase do controle remoto. Na verdade acabou se perdendo a agenda, ao invés da agenda ser a da inclusão social, da soberania nacional, do peso do Brasil no mundo, dizendo as grandes questões, que eram aquilo que diziam no segundo mandato do Lula. Isso não foi feito, e na época em que tínhamos o menor desemprego da história do Brasil. Isso significa que nós temos que aprender com a politica. Significa que quando uma mídia é hostil temos que fazer a disputa politica de modo permanente. Perdemos a oportunidade de avançar. Era uma época marcada por contradições. TV versus Internet, TV versus Google, pressões internacionais, haviam condições do debate, faltou liderança, acúmulo. É difícil enfrentar esse debate amplo, aberto. É um tema complexo porque está distante da vida cotidiana das pessoas.

Descentralização da verba de publicidade no Governo Lula

Franklin Martins – Avançou muito. Para você ter uma ideia, a publicidade do governo atingia 400 rádios no início e, no final, atingiu 4 mil rádio no Brasil. E não tinha mais dinheiro, a maioria das rádios recebia de pagamento de publicidade do governo, quando muito, o que dava para pagar a conta de luz da rádio, mas era uma forma de distribuição. Eu acho que isso foi importante. Na verdade, o Governo não distribui dinheiro. Existem serviços públicos e o Governo precisa informar a população sobre eles, como vacinação, campanhas, Fies, Enem... é preciso informar a população disso e conseguimos atingir muito mais gente quando foi feito esse processo de democratização do investimento, muito mais gente com o mesmo custo. Então eu acho que é possível, mas você enfrenta oposição. Tinha gente que acusava o Governo, por exemplo, de fazer mutirão de compra da imprensa pequena.

Semelhanças entre os golpes: 1964 x 2016

Franklin Martins – Em relação à imprensa, primeiro que em 1964 você tinha umas coisas melhores. Havia o (jornal) Última Hora, a TV Excelsior, as rádios Mayrink Veiga e Roquette Pinto..., então haviam umas coisinhas melhores... dessa vez é muito mais compacto. Em 1964 já era um oligopólio, mas agora (o oligopólio da mídia) é mais fechado.

Pessoalmente eu confesso que fui ingênuo. Acreditava que depois da ditadura militar, as forças conservadoras do Brasil, sem deixar de serem conservadoras, haviam abandonado sua devoção pelo regime de força e se convertido à ideia de que uma sociedade grande e diversificada como a brasileira só pudesse prosperar em ambientes democráticos. Achei que eles tinham aceitado que a definição dos rumos do país se dava na disputa democrática, no embate politico. Foi uma ilusão.

A nossa elite, que de elite não tem nada, é só dinheirista, predadora, ela não tem projeto de país, não pensa a longo prazo, não tem valores políticos consistentes, é imediatista, oportunista, medíocre, pequena. Acho que é indispensável que se tenha claro que o golpe foi fruto dos nossos acertos. Essa ampla coalizão que deu o golpe jamais se conformou com os avanços dos governos populares e democráticos. Nesses anos, o Brasil viu que o país poderia ser governador para todos, e não para um terço apenas da população. Para os nossos adversários, o povo é um estorvo, uma carga. Para eles, o povo não cabe no Brasil, nem no orçamento. Os 12 anos dos governos democráticos e populares, não só ficou provado que o povo cabe, como é um extraordinário ativo, uma grande riqueza. Sem ele, não se constrói um país próspero. Com ele, o Brasil progride, se torna mais justo e pode ser mais rico e mais forte.

A naturalização da opressão

Franklin Martins – A naturalização da opressão é quem dá discurso para a legitimação do opressor e para a submissão do oprimido. Você naturaliza a falsa ideia da superioridade branca para justificar a discriminação racial contra negros e índios; você naturaliza a pretensa condição subalterna da mulher para legitimar sua dominação pelo homem; naturaliza a ideia que os pobres são incapazes de produzir para negar-lhes oportunidade; naturaliza-se a tese que no Nordeste não tem condições de produzir para justificar a falta de investimentos públicos na região.

Durante séculos, os conservadores apresentaram como natural a exclusão social, a desigualdade social, a falta de serviços públicos, a diminuição do Estado, e a repressão a movimentos populares. Governaram para um terço da população e depois mandavam o povo se virar para depois chamá-lo de vira-latas. Essa atitude, esse comportamento, foi seriamente atingido. Tudo o que parecia natural foi derrotado com o debate politico. As pessoas que reclamavam que o Lula não falava no primeiro mandato diziam que ninguém aguentava mais o Lula falando no segundo Governo. Essa naturalização da opressão foi seriamente abalada. E se mostrou a injustiça como ela é, fruto de escolhas políticas e decisões politicas, e não como algo inevitável. As forças conservadoras foram derrotadas no permanente debate politico. Prova disso é que todos os avanços sofreram com forte oposição. Lembremos de alguns deles:

Bolsa família = bolsa-esmola

Aumento real do salario mínimo = vão quebrar o país

Luz para todos = que loucura. Se o mercado não resolveu, como o Estado vai resolver

Cotas nas universidades: vai rebaixar o nível das universidades

Universidade no interior: é jogar dinheiro fora

Escola técnica = vão criar elefante branco

Politica de afirmação racial = não existe racismo no Brasil

Mais médicos = volta pra Cuba negro comunista

Valorização do Nordeste = nordeste é atrasado

Transposição = vão esvaziar o rio.

Pré-sal = a Petrobras não tem condições de explorar

Essa disputa foi vivida por pelo menos 100 milhões de pessoas, que viram oportunidade se abrindo para elas. Pessoas que tiveram experiência de mudança e isso é muito mais forte que mentira de jornal. A experiência das pessoas é mais forte. Por isso a ideia da naturalização da opressão foi fortemente atingida. Para as forças conservadoras brasileiras, o Brasil seria apenas um produtor de commodities.

Efeito Bolsonaro

Franklin Martins – O Bolsonaro está crescendo porque os nomes do PSDB se afundaram. O Bolsonaro está crescendo em cima de um eleitorado conservador que acreditou num discurso de que a corrupção era o outro lado e descobriram que o pessoal deles estava metido em corrupção também, aí foram para o lado do Bolsonaro. Agora eu, sinceramente, não acho que o Brasil vá de Bolsonaro de jeito nenhum. Deixa começar o debate politico. O Bolsonaro abre a boca e eu quero ver ele ter essa votação toda. O Trump é um gênio e um diplomata perto do Bolsonaro.

Otimismo

Franklin Martins – Eu sou otimista, e isso talvez seja uma qualidade ou um defeito da minha geração que viveu uma ditadura. Debaixo da ditadura, quando tudo parecia terrível nos recusamos a ficar quietos. E para isso você precisa ter o otimismo que diz o seguinte: ”eles não são o Brasil, o Brasil somos nós.” Eu posso ter cometido alguns erros, mas um erro eu, e falo em nome da minha geração, não cometi: nós não nos submetemos a eles só porque eles eram mais fortes. Pra encerrar, eu diria: pensem, lutem e não se submetam a ninguém.

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