Os polvos são animais invertebrados, da classe dos cefalópode (pés na cabeça), têm uma capacidade de aprendizagem surpreendente e, assim como os humanos, eles também sonham! Foi o que descobriu a pesquisadora Sylvia Medeiros, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“A investigação do sono no polvo nos dá uma vantagem para a comparação psicológica e neurobiológica com os vertebrados, uma vez que o polvo possui várias características cognitivas sofisticadas que só são vistas em algumas espécies de vertebrados, mas com uma arquitetura cerebral muito diferente. Uma promessa importante desse esforço comparativo é elucidar o que é fundamental e o que é acessório no design do cérebro. As semelhanças entre cefalópodes e vertebrados são provavelmente uma consequência de pressões seletivas semelhantes relacionadas às cargas cognitivas experimentadas por esses diferentes grupos de animais”, explica Sylvia Medeiros, que é a primeira autora do artigo que foi publicado na revista iScience.
Os polvos apresentaram dois estágios de sonho semelhantes ao REM (ativo) e não REM (não ativo), observados nas pessoas. Na parte do sono ativo, tanto humanos quanto polvos apresentam movimentos rápidos dos globos oculares. Mas nos amigos marinhos, essa parte do sono é bem mais curta com a duração de alguns segundos, podendo chegar a um minuto.
“Nossos resultados sugerem que durante o ‘sono ativo’ os polvos estão experienciando um estado análogo ao sono REM, que é o estado durante o qual os humanos mais sonham. Se os polvos realmente sonham, é improvável que vivenciem enredos complexos e simbólicos como nós. O ‘sono ativo’ no polvo tem uma duração muito curta. Então, se durante esse estado houver algum sonho acontecendo, deve ser mais semelhante a pequenos videoclipes, ou mesmo gifs”, analisa Sylvia Medeiros.
Mudanças registradas no polvo durante o sonho I Fotos: cedidas
A pesquisa sobre o sono dos polvos começou ainda em 2017, durante o mestrado de Sylvia pelo programa de pós-graduação em Psicobiologia da UFRN, e continuou no primeiro ano de doutorado em Neurociências pelo Instituto do Cérebro. O trabalho foi orientado pelos professores Sidarta Ribeiro e Tatiana Leite. Para realizar os experimentos, foram utilizados quatro animais que foram mantidos em aquário, individualmente. Os polvos foram filmados continuamente e durante as análises dos vídeos, os pesquisadores observaram mudanças ligadas ao comportamento e à pele dos animais.
“Havia momentos em que os animais estavam extremamente quietos, com a pele uniformemente pálida e com a pupila dos olhos contraída. Após algum tempo, eles repentinamente começavam a mudar de forma dinâmica a cor e textura da pele, bem como a mover os dois olhos enquanto contraíam as ventosas e o corpo, com contrações musculares. Suspeitamos que ambos os estados eram sono porque sempre ocorriam em sequência, primeiro o ‘Sono Quieto’ e depois o ‘Sono Ativo’, de forma semelhante ao que é observado em mamíferos, pássaros e répteis. O ‘sono ativo’ no polvo tem uma periodicidade marcada, ocorrendo a cada 30 minutos. Implementamos testes de estimulação sensorial para quantificar o limiar de excitação ao longo do ciclo sono-vigília e descobrimos que, em ambos os estados de sono, os polvos precisavam de um estímulo mais forte para evocar uma resposta comportamental, em comparação com o estado de alerta, durante o qual os animais são sensíveis a estímulos muito fracos”, conta a cientista que, mais pra frente, quer registrar dados neurais para entender melhor o que acontece quando o polvo dorme, qual o papel do sono no metabolismo, pensamento e aprendizagem dos animais.

Além de entender o que é fundamental no funcionamento do cérebro, a cientista também quer descobrir quais foram os fatores de pressão evolutiva que fizeram com que o sono evoluísse em vertebrados e invertebrados de maneira semelhante.
“Em mamíferos, a alternância dos estados de sono Quieto e Ativo está relacionada à regulação de mecanismos moleculares relacionados à plasticidade sináptica de longo prazo, como a expressão de genes imediatos. É tentador especular que mecanismos semelhantes estão em ação no polvo, de modo que a alternância de múltiplos estados de sono pode ajudar a se adaptar aos desafios ambientais e promover o aprendizado”, explica o cientista Sidarta Ribeiro, que orientou o trabalho junto com Tatiana Leite. Mais pra frente o grupo quer registrar dados neurais para entender melhor o que acontece quando o polvo dorme, qual o papel do sono no metabolismo, pensamento e aprendizagem dos animais.