Pesquisador da UFRN estima que sem isolamento social, RN já teria 2,2 mil mortos por Covid-19
Natal, RN 28 de mar 2024

Pesquisador da UFRN estima que sem isolamento social, RN já teria 2,2 mil mortos por Covid-19

25 de abril de 2020
Pesquisador da UFRN estima que sem isolamento social, RN já teria 2,2 mil mortos por Covid-19

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Por Valéria Credidio, especial para a agência Saiba Mais

O Rio Grande do Norte contabiliza 40 mortos pela Covid-19, mas o número de vítimas fatais poderia ser bem maior. Caso parte dos potiguares não estivessem em isolamento social, a contagem seria 63 vezes maior, contabilizando 2.200 óbitos. Os dados sobre eventuais mortes foram calculados pelo professor do Departamento de Física da UFRN, José Dias do Nascimento, por meio de modelos matemáticos. Estes dados têm como parâmetros a data de 23 de abril, levando-se em consideração o crescimento exponencial do contágio diariamente.

O isolamento social vem sendo aplicado, em todo o mundo, como uma das principais ferramentas de enfrentamento à pandemia. O distanciamento tem por base restringir o trânsito de pessoas nas ruas, com o fechamento do comércio, suspensão das atividades escolares, ficando liberadas apenas a circulação estritamente necessária.

Esse conceito vem sendo defendido, de maneira enfática, pela Organização Mundial de Saúde. Em entrevista coletiva concedida durante a semana, o diretor-geral da OMS reforçou a necessidade da população se manter em isolamento social como principal medida de combate à pandemia da Covid-19. Para Tedros Adhanom Ghebreyesus, esta é a única opção para se derrotar o novo coronavírus.

"É vital respeitar a dignidade do próximo. É vital que os governos se mantenham informados e apoiem o isolamento. Os governos precisam garantir o bem-estar das pessoas que perderam sua renda", enfatizou o diretor geral.

No entanto, o distanciamento no Brasil não vem atingindo os percentuais necessários para que, realmente, a pandemia seja contida.

De acordo com cientistas, seria necessário um isolamento de 70% da população para que a curva epidemiológica fosse contida, diminuindo o risco de causar um colapso no sistema de saúde.

O Site inloco mostra o isolamento social em todo o Brasil. O índice médio, calculado no dia 23 de abril, em todo o país, é de 59,7%. O mapa atualizado diariamente mostra que o Distrito Federal é o local onde se consegue o maior índice de isolamento, alcançado 64,5% da população. Em seguida vem os estados de Pernambuco (62,8%), Ceará (62,7%), e Maranhão (62,5%). No Rio Grande do Norte, o índice de isolamento social da população hoje é de 62,2%.

Segundo o professor e pesquisador da UFRN José Dias, que está na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o isolamento social garantiu um número mais baixo de óbitos entre a população potiguar.

“Se não tivéssemos feito nada e o sistema corresse livre, hoje teríamos mais de duas mil mortes somente no Rio Grande do Norte”, afirmou.

Modelos matemáticos são usados desde 1927 na epidemiologia física para projetar situações de surtos ou pandemias. Esse tipo de estudo nasceu oito anos após a epidemia da gripe espanhola (H1N1), em 1919. São a principal ferramenta diante da inexistência de uma testagem em massa que dê um diagnóstico real e preciso do cenário.

A diferença para o século XXI está no que os pesquisadores chamam de data sinze, um modelo físico extremamente robusto com aquisição de dados muito ágil. Através desses modelos é possível prever quando a onda epidêmica vai chegar, a intensidade, o fim e os efeitos do isolamento social.

Além do cenário do Rio Grande do Norte, Nascimento projetou situações no Ceará, Pernambuco, Bahia e Alagoas a pedido do comitê científico do Nordeste, sob coordenação do neurocientista Miguel Nicolelis.

- O modelo hoje está no centro dessa questão. Não temos, na maioria dos países, uma testagem massiva que dê um diagnóstico real da situação. A única forma de medida do nível epidêmico é através de modelos, algo já estabelecido na ciência. Na falta de testes, os modelos são uma luz que clareia o futuro na tomada das decisões”, explica.

José Dias do Nascimento é do departamento de Física da UFRN e atualmente está na universidade de Havard

O pesquisador também vê com preocupação a flexibilização das medidas restritivas no Rio Grande do Norte.

- Quem tem conhecimento dos dados e da dinâmica da população vê a gravidade dessas decisões de relaxamento do isolamento antes da onda epidêmica chegar. Tivemos o decreto de restrição das escolas que já deu uma grande contribuição na queda da curva, mas se voltarmos e liberar vamos para um crescimento de mortes e de casos graves que vai acontecer mais lentamente, mas vai se esticar durante meses, o que é muito pior para a economia. Restringir, segurar e isolar de forma extremamente severa faz o processo todo encurtar entre o início e o final, é exatamente essa a grande dificuldade das pessoas entenderem", diz Nascimento, antes de completar:

- Se sem isolamento seriam 2.200 mortes, ou seja, os decretos anteriores tiveram grande impacto. O que pode acontecer daqui pra frente é em função do que faremos na revisão do decreto dia 5 de maio, pois ainda não passamos pelo pico epidêmico".

Outro fator importante é a expansão da população que está sendo contaminada. Se no início da pandemia no Estado a contaminação atingia mais as pessoas com maior poder financeiro – e que teoricamente poderiam contar com um maior apoio para os cuidados com a proteção e durante a doença – agora o vírus está atingindo a todos. Essa expectativa foi comprovada, recentemente, com a primeira morte de um morador de rua registrada em Natal, confirmada dia 21 de abril.

Para a infectologista Marise Reis, professora do Departamento de Infectologia da UFRN, é necessário haver um trabalho de conscientização com as populações mais simples para que essas pessoas entendam o risco que estão correndo.

“Abrir o isolamento social quando o vírus está alcançado a periferia é extremamente perigoso. Os moradores da periferia precisam entender que eles estão correndo risco”, enfatizou ela.

Desafios

Mas como fazer com que a participação da sociedade aumente, que os índices de isolamento alcancem o patamar dos 70% estimados pelos pesquisadores como um índice seguro? A resposta está na conscientização da população.

Na opinião do professor Ângelo Roncalli de Oliveira, pesquisador do Núcleo de Saúde em Saúde Coletiva (NESC/UFRN), o distanciamento tem se revelado como a melhor alternativa dentre as estratégias “não-farmacológicas” de combate à pandemia. O pesquisador argumenta que essa atitude coletiva da sociedade ajuda não apenas a reduzir o número de casos, mas evita o colapso do sistema de saúde. Para Roncalli, esse pressuposto tem um imperativo importante, pois acrescenta, a uma disposição individual, um dever coletivo.

“Em outras palavras, o meu sacrifício não é mais apenas para o meu benefício, mas para o de todos, o que significa jogar o princípio da alteridade para o terreno da prática”.

Quanto ao sucesso do isolamento como ferramenta para combater à pandemia, o pesquisador do NESC lembra que esse é um procedimento adotado por todos os países que estão enfrentando o coronavírus, e que tem a chancela da Organização Mundial da Saúde.

Outro detalhe importante sobre a estratégia de isolamento social é que o tempo em que ela deve ser implementada é crucial. Os exemplos de Itália e Espanha são emblemáticos. Por uma questão de dias, a decisão de iniciar as medidas de restrição à circulação de pessoas fez a curva de crescimento de casos e óbitos se tornar incontrolável. Estados Unidos e Inglaterra também retardaram a implementação de medidas e pagaram (na verdade estão pagando) um alto preço.

Por fim, Ângelo Roncalli faz um alerta quanto à saída do isolamento social. O que a experiência internacional tem demonstrado é que uma saída não planejada e antes do tempo pode ser catastrófica. É preciso que a curva tenha sido realmente achatada e que haja indícios de que a tendência de casos e óbitos esteja em declínio.

“Sair antes que o chamado ‘pico’ da epidemia ainda não tenha ocorrido pode gerar o pior dos cenários. E este momento de pico não é fácil de prever. É preciso ter um bom sistema de monitoramento, associado a modelos matemáticos precisos, que possam contrabalançar os casos incidentes com a capacidade de resposta dos serviços de saúde. Além disso, a saída deve ser planejada, como tem insistido a OMS, com alguns setores voltando paulatinamente ao normal”, finaliza o pesquisador da UFRN.

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