Plano Diretor: o que está em jogo nessas eleições?
Natal, RN 29 de mar 2024

Plano Diretor: o que está em jogo nessas eleições?

10 de novembro de 2020
Plano Diretor: o que está em jogo nessas eleições?

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A disputa eleitoral vivida nos municípios brasileiros em 2020 lança luz não apenas para os representantes que ocuparão os cargos no legislativo e executivo, mas sobretudo, ao projeto de cidade que os candidatos a vereadores e prefeitos têm defendido em suas plataformas políticas e conjunto de propostas. Nesse contexto, o Plano Diretor ganha centralidade, por ser o principal instrumento da política urbana, que orienta a produção e gestão das cidades e bem-estar dos seus habitantes.

É o Plano Diretor que define as regras para ocupação do solo, as áreas de proteção ambiental e histórica, as áreas onde podem ser construídos os equipamentos públicos como praças, escolas, hospitais, que define os limites das construções, incluindo a altura dos prédios, ordena o trânsito e etc.

Esse conjunto de regramento deve ser construído de maneira participativa entre o poder púbico e os diversos segmentos da sociedade civil, através de instrumentos de gestão democrática como órgãos colegiados e audiências públicas. O resultado dessa pactuação deve garantir um planejamento territorial sustentável, equilibrado e socialmente justo, que privilegie os interesses da coletividade em detrimento a interesses individuais.

Nosso município está revisando o seu plano diretor, a Lei complementar nº 82/2007, obrigatório a cada dez anos, segundo o já referido Estatuto da Cidade. No entanto, um processo que deveria ser construído de maneira cautelosa, transparente, com ampla participação social e tem sido marcado por atropelos e irregularidades por parte da municipalidade, que negligencia a diversidade de condições de participação da população e suas demandas, sobretudo os mais vulneráveis, e defende veementemente uma agenda urbana pautada na ampliação do potencial construtivo em toda cidade, incluindo sua verticalização generalizada e flexibilização de instrumentos de proteção ambiental e interesse social, ferindo direitos já conquistados.

Vale destacar que pouco daquilo previsto em nosso plano diretor de 2007 foi regulamentado, embora tenhamos instrumentos urbanísticos bastante avançados nessa legislação. Ficam os questionamentos: O está em jogo nessas eleições municipais para o destino da nossa cidade?

O rolo compressor como método de “diálogo” com a cidade.

Desde em que foi deflagrado em junho de 2017, o processo de revisão do plano diretor de Natal tem passado por muitos problemas. Embora a municipalidade reiteradamente defenda a narrativa de que este é processo de revisão é o “mais participativo e transparente” não foi bem isso que presenciamos nos vários espaços de discussão e deliberação. Dentre os muitos problemas, podemos citar: a frágil publicidade dos atos públicos basilares na condução do processo de revisão; cronogramas de trabalho apertados e impossível de acompanhar pela maioria dos interessados, indefinição na metodologia de trabalho nas oficinas e grupos de trabalho, recorrentes descumprimentos do regimento interno de revisão do plano diretor de Natal e violações na participação democrática, até mesmo situações de agressões por participantes a outros participantes em fases do processo.

Cada um desses problemas foi dificultando ou até mesmo impedindo a participação social no processo de escuta das demandas e prioridades apontadas pela população, especialmente a mais vulnerável. Nem mesmo a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) evitou o processo de revisão de continuar. No momento em que a gestão municipal deveria priorizar todos os seus esforços no cuidado com a saúde pública, a prefeitura passava o rolo compressor e prosseguia o debate e as deliberações em torno da minuta de lei, em formato virtual.

Enquanto a secretaria municipal de meio ambiente e urbanismo, responsável pelo processo de revisão do plano diretor, ligava o trator e conduzia o processo de maneira cada vez mais acelerada, o atual prefeito e candidato a reeleição, Álvaro Dias, fazia ampla defesa da agenda pautada pelos setores do mercado especulativo-imobiliário. Tanto que o “tom das suas falas” a revisão do plano diretor com sua “visão de cidade” era dada como certa.

Em sessão extraordinária realizada em 19 de setembro de 2019 na Câmara Municipal de Natal presenciei o prefeito desqualificar a nossa cidade e sua orla, chamando-a de “retrógrada, feia, decadente”, para justificar o projeto de verticalização generalizado que a cidade deveria passar para tornar-se “moderna”. Natal, na opinião dele, deveria seguir os exemplos das “modernas” orlas de Recife e Fortaleza, ambas amplamente verticalizadas. Responsabilizou descabidamente, ainda, o plano diretor pelo “atraso” da cidade e pela “expulsão” dos natalenses para as cidades vizinhas, como Parnamirim.

Se não bastasse o formato atropelado e irregular, que afronta o princípio basilar da participação social democrática, o conteúdo da minuta de lei apresentada em fevereiro de 2020 é ainda mais problemático. As propostas visibilizadas no texto não representaram o resultado do trabalho de sistematização realizado no Grupos de Trabalho (GTs), conforme denunciaram vários voluntários que participaram dos GTs, incluindo pesquisadores, professores universitários, militantes de movimentos sociais e instituições da sociedade civil organizada. As propostas modificam radicalmente o plano diretor vigente e pior, fragilizam instrumentos urbanísticos voltados a proteção ambiental e interesse social.

Em linhas gerais, o que foi apresentado na minuta estende a possibilidade de construção em toda a cidade, aumenta o coeficiente de aproveitamento dos terrenos e os limites de gabarito (altura máxima dos prédios); diminuem as taxas de recuos e impermeabilização dos lotes, possibilitando construir muito mais do que o previsto na atual legislação. Isso implica diretamente no aumento da densidade populacional no território e, claro, pressionará a infraestrutura de serviços urbanos, dentre eles o de esgotamento sanitário e abastecimento de água, que já não cobrem todos os domicílios e operam com dificuldade.

Paralela as aumento da possibilidade de construir e verticalizar no território a minuta fragiliza instrumento de proteção ambiental e do patrimônio cênico-paisagístico, como as Zonas de Proteção Ambiental, a área non edificandi de Ponta Negra.
É paradoxal que uma cidade cuja economia gira em torno do turismo, em decorrência de todo seu potencial natural, sobretudo a beleza única de sua orla esteja propondo alterar as prescrições urbanísticas para permitir verticalizar a orla, substituindo a paisagem aberta ao ambiente marinho, do Morro do Careca e suas Dunas Associadas por um paredão de prédios.

Outro aspecto problemático na minuta é a fragilização das Áreas Especiais de Interesse Social – AEIS, destinadas a garantir o direito à moradia digna para a população vulnerável. Esse instrumento destina-se a produção, manutenção e recuperação de habitações de interesse social. O aumento do potencial construtivo atrelado a flexibilização de proteções das AEIS, colocará em risco a permanências de comunidades populares existentes no entorno da orla.

Como parlamentar e conselheira do Conselho da Cidade do Natal – Concidade, representando a Câmara Municipal, tenho denunciado a falta de diálogo e as diversas irregularidades cometidas pelo poder público neste processo, tenho alertado e defendido a necessidade da municipalidade de garantir condições reais de participação social para a construção da lei que definirá a diretrizes do planejamento urbano e promovido, dentro e fora da Câmara Municipal de Natal,para qualificar as discussões, e ouvir da diversidade dos segmentos sociais qual é a cidade que eles querem.

A orla não é feia, seu prefeito, ela está mal cuidada e isso não é culpa do plano diretor, mas da falta de ações da gestão. Aliás, o plano diretor vigente é bastante avançado, mas como toda lei se não for regulamentada e implementada, se transforma em letra morta.

Por fim, retomo meu questionamento inicial, o que está em jogo nessas eleições são os rumos de nossa cidade. A disputa definirá se o projeto de cidade que construiremos para o futuro é participativa, sustentável, inclusivo e justo ou se é um projeto excludente e egoísta, que privilegia interesses dos poucos alinhados ao do mercado imobiliária.

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