Política, Cultura e Conservadorismo Moderno no Brasil
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Política, Cultura e Conservadorismo Moderno no Brasil

12 de setembro de 2019
Política, Cultura e Conservadorismo Moderno no Brasil

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Na conjuntura atual tem adquirido destaque o debate teórico e político sobre o conservadorismo moderno. Autores e autoras como Michael Oakeshott (1901-1990), Ayn Rand (1905-1982), ou o brasileiro João Pereira Coutinho, são considerados/as como representantes do conservadorismo. Nas Américas, as concepções e valores culturais defendidos pelo conservadorismo moderno alcançaram as instâncias do poder político, com a ascensão, por exemplo, de Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. Neste sentido, é importante refletir sobre o modo como se configuram a política e a cultura no conservadorismo moderno que se instalou na sociedade brasileira, no contexto do final da segunda década do século XXI.

Em linhas gerais, o conservadorismo moderno defende a preservação do que é familiar, rechaçando o desconhecido. Assim, valoriza-se a família tradicional, as hierarquias, a religião, em contraposição a propostas voltadas para o igualitarismo, ou à participação popular nas decisões políticas da sociedade. A polêmica em torno da censura de livros de quadrinho pelo prefeito do Rio de Janeiro, ocorrida na Bienal do Livro de 2019, é o reflexo dos ideais da versão brasileira do conservadorismo moderno nas práticas cotidianas. Além de defender a preservação de instituições sociais, para o conservadorismo diferenças no tocante às condições materiais entre as pessoas também devem ser mantidas. Desse modo, justificam-se as várias formas de desigualdade social.

Outro fator importante relacionado ao conservadorismo moderno diz respeito à sua aliança com o liberalismo econômico. O lucro e o livre mercado são vistos como propulsores do desenvolvimento. É possível compreender, assim, as políticas adotadas no Brasil na conjuntura atual, que buscam nas privatizações, no uso inconsequente de agrotóxicos na produção agrícola, ou na ausência de preocupação com o meio ambiente, o desenvolvimento econômico por meio de um liberalismo radical. A precarização das condições de trabalho é vista como uma saída para a redução dos índices de desemprego.

Esse desenvolvimento visa o acúmulo de capital nas mãos de produtores rurais da agroindústria, bem como o aumento do lucro dos bancos e das grandes empresas. No entanto, a política e a cultura do conservadorismo moderno no Brasil apresentam outras particularidades.

No Brasil, o governo de Jair Bolsonaro tem como referência um guru das redes sociais: o escritor e youtuber Olavo de Carvalho. Sem formação acadêmica em filosofia, física, teologia, ou em qualquer outra área do conhecimento, o guru do conservadorismo moderno brasileiro afirma que é filósofo. Em suas falas nas redes sociais ataca as universidades brasileiras e a educação. Nos seus escritos na internet, quer mostrar que Isaac Newton, Galileu Galilei e Albert Einstein não deram nenhuma contribuição para a humanidade com as suas obras. Nem o físico Stephen Hawking foi poupado da crítica avassaladora, com viés religioso, do guru conservador de direita, Olavo de Carvalho. No entanto, o alvo principal do guru brasileiro não é a física quântica, ou a teoria da relatividade. Seu principal alvo é a política de esquerda, ou o comunismo, que, segundo ele, teria um plano estratégico para dominar o mundo por meio da difusão do marxismo cultural em universidades e demais instituições de ensino brasileiras.

Com isso, é possível compreender as motivações para os cortes de verbas na educação e na ciência no Brasil, ou políticas como a Medida Provisória (MP) da carteira de identificação estudantil digital, vista pelo Ministro da Educação como uma forma de combater o socialismo nas universidades. O guru do governo Bolsonaro menospreza as universidades e o conhecimento acadêmico. Seus adeptos reproduzem o discurso do conservadorismo moderno, acrescentando-lhe o combate a um marxismo cultural ou a luta contra a “ideologia de gênero”, que nunca existiram nas instituições educacionais brasileiras. Muito pelo contrário, na filosofia brasileira, por exemplo, sempre foram reproduzidos em cursos de graduação, mestrado e doutorado, os discursos e escritos dos homens brancos europeus. Em todos esses níveis são pesquisados e lidos geralmente autores da Europa. É uma filosofia escrita por homens, voltada para mostrar a superioridade masculina para todas as pessoas.

Nos livros didáticos, a história da filosofia inicia na Grécia com Sócrates, Platão e Aristóteles, passa pela Idade Média com Santo Agostinho e Tomás de Aquino, chegando na Idade Moderna com Descartes, Rousseau e Kant, até alcançar a contemporânea com Nietzsche, Heidegger e Wittgenstein. Apesar da existência de filósofas como Aspasia, Hipácia, Hildegarda de Bingen, Olympe de Gouges, Lou Andreas-Salomé, Simone de Beauvoir, Judith Butler, Hannah Arendt, Nancy Fraser, dentre outras, nos cursos de graduação, mestrado e doutorado em Filosofia no Brasil é estudada, geralmente, a perspectiva dos homens.

A década de 1990 é marcada, no âmbito político, por um processo de reconhecimento de formas específicas de racismo e sexismo cultural na sociedade brasileira. Racismo e sexismo se refletem em práticas de discriminação e violência no cotidiano de pequenas cidades ou em metrópoles. No entanto, a era do conservadorismo moderno no Brasil exalta a ditatura militar e a violência, tentando relegar novamente ao silenciamento as discussões sobre discriminação racial, homofobia e sexismo.

Enquanto o guru do governo janta com o Ministro das Relações Exteriores e o filho do presidente, pretendente a ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, estudantes de escolas públicas do ensino médio, de mestrado e doutorado não têm mais oportunidades de bolsas de estudo. O corte de verbas na educação é justificado pelo governo em decorrência da crise econômica. Só não se compreende porque os privilégios do judiciário são mantidos, com aumentos inconsequentes de salários e a manutenção de privilégios, como o auxílio moradia para pessoas que já possuem imóveis, mesmo com o país vivenciando uma crise econômica sem recursos para investir em educação, tecnologia e ciência.

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