População em situação de rua cresce em Natal e aumenta pressão sobre vagas no único abrigo da capital
Natal, RN 29 de mar 2024

População em situação de rua cresce em Natal e aumenta pressão sobre vagas no único abrigo da capital

9 de novembro de 2020
População em situação de rua cresce em Natal e aumenta pressão sobre vagas no único abrigo da capital

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Não há um número exato sobre a quantidade de moradores de rua no Rio Grande do Norte ou em Natal, mas eles crescem a olhos vistos nos canteiros e calçadas da capital. Em 2019, cerca de 1.200 pessoas passaram pela triagem do Centro Especializado em Assistência Social de Natal, o Centro Pop. E apesar de Natal ser dividida em quatro regiões e ter moradores de rua em todas elas, há apenas um Centro Pop localizado na zona leste.

Segundo a Secretaria de Estado do Trabalho, Habitação e da Assistência Social (Sethas), a Fundação de Apoio à Pesquisa do RN (Fapern) está em fase de contratação de bolsistas para realização de um levantamento mais preciso.

Pelo número reduzido de vagas diurnas oferecidas, nem todas as pessoas conseguem acessar o Centro Pop. Já percebemos um aumento de pessoas em situação de rua em Natal e, com isso, estimamos que existam cerca de 1.500 pessoas nas ruas da capital. Atualmente, só duas cidades do Rio Grande do Norte têm serviços sócio assistenciais para a população de rua: Natal e Parnamirim. Segundo o Cadúnico do RN, 1.800 pessoas em situação de rua estão cadastradas, mas esse número pode ser maior já que nem todas conseguiram fazer o cadastro. Sendo assim, esse número pode ser superior a 2 mil pessoas no RN”, explica Vanilson Torres, Coordenador Estadual do Movimento Nacional da População em Situação de Rua no RN.

Pelas contas não é difícil concluir que, apesar de existentes, os serviços de assistência social são insuficientes. Atualmente, Natal conta com um abrigo 24 horas com 50 vagas que fica na Rua Princesa Isabel, no centro da cidade. Além dele, as pessoas em situação de rua também encontram atendimento socioassistencial, espaço para a realização de higiene pessoal, alimentação, espaço para guarda de pertences e lavanderia no Centro Pop, que tem 100 vagas e funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, na rua Aderbal de Figueiredo, Petrópolis, próximo ao Centro de Turismo.

Uma volta pelo centro de Natal

Dezenas de moradores de rua embaixo de uma marquise. Pessoas vão e vem pela João Pessoa, no centro de Natal. Algumas com indiferença, outras com um certo incômodo. “E esse povo aí? A Prefeitura deveria fazer alguma coisa”, escuto ao longe de um grupo de desconhecidos.

Já faz um certo tempo que a sombra da marquise do antigo Cine Nordeste, na Cidade Alta, virou um ponto de abrigo para as pessoas em situação de rua que circulam pelo centro da cidade. É por lá onde Nailton se encosta todos os dias. Desempregado e pai de cinco filhos, ele costumava pastorar carros no Sesc da Cidade Alta, mas com tudo fechado por causa da pandemia de covid-19, hoje ele vive sem renda certa e do favor de uns e outros. “Eu queria trabalhar de carteira assinada, evoluir. Não tenho documentos e não recebo nenhum tipo de auxílio. Me alimento do que as pessoas dão pra gente. Faço favor pra um, pra outro e assim a gente vai vivendo. Meus meninos tão morando com minha mãe”, explica Nailton da Silva, com quem uma equipe multidisciplinar da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social conversa. Uma médica, uma assistente social, uma enfermeira e uma técnica em enfermagem tentam convencer Nailton, que sofre com a dependência química, a aceitar ajuda profissional.

Foto: Mirella Lopes I Nailton da Silva mora, atualmente, na calçada do antigo Cine Nordeste

É uma situação muito difícil dessas pessoas, alguns precisam de cuidados urgente, mas muitos não querem se internar e nós só fazemos internamentos compulsórios em caso de vida ou morte”, explica a médica Neuma Marinho, a psicóloga Raíssa Castim e a técnica em enfermagem Irani Cosme. Todos os dias, o grupo visita um ponto diferente da capital em uma unidade móvel.

Equipe multidisciplinar da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social visita diferentes pontos da capital

Aos 38 anos, Adeilson é flanelinha de profissão. Nunca conseguiu ter a carteira assinada e faz uma média de R$80 nos melhores dias, pastorando carro em um ponto próximo à antiga Catedral. Aos sábados, ele tenta fazer um extra na Feira do Alecrim.

Adeilson garante renda como flanelinha e já se tornou conhecido por quem trabalha nas proximidades da antiga Catedral

A maioria das pessoas em situação de rua evita aproximação, não gosta de ser fotografada ou identificada pelo nome. É uma forma de se proteger e permanecer no anonimato das ruas. Do grupo que se ajuda na marquise do antigo Cine Nordeste, Bruno Alves é um dos que mais chama atenção pelo zelo com a aparência. O colchão onde ele dorme tem lençol limpinho, a roupa é impecável e cada item que carrega tem lugar certo, numa organização de quem cresceu sob uma certa disciplina. Bruno morava na casa dos pais, em Macaíba, e acabou deixando o conforto do lar por causa das drogas.

Eu não queria usa na frente da minha mãe. Sinto muita falta de casa, principalmente à noite. Às vezes só durma quando já é madrugada porque a gente fica aqui desprotegido. Comecei a usar droga aos 9 anos, quando encontrei um cigarro de maconha do meu tio em casa. Já me internei 28 vezes e o maior tempo que passei numa clínica foram seis meses. Uma pessoa que é viciada não pode ficar muito feliz, nem triste, porque tudo é motivo pra usar. Já trabalhei com carteira assinada por um ano e meio, mas chegou ao ponto em que eu estava levando droga até pro trabalho, aí o pessoal descobriu”, conta.

Quem, todos os dias, ajuda as cerca de 30 pessoas que vivem em situação de rua do centro da cidade é Cida. Ela faz refeições, pede doações, leva pra hospital, pra casa de internação, tudo isso, pelo simples prazer de ajudar. Cida já se tornou uma amiga conhecida dos moradores em situação de rua e é a ela que eles recorrem, quando precisam de ajuda.

Cida recebe doações...

“Faço refeição, levo pra hospital, clínica de reabilitação. Não ajudo mais porque não posso, a sorte é que muita gente passa e deixa algumas doações. De dia eles conseguem se alimentar no Centro Pop ou no Barriga Cheia, mas à noite... não tem opção. É muito ruim dormir de barriga vazia”, conta Cida que, apesar de desempregada, não mede esforços pra tornar a vida dessas pessoas ignoradas pela maioria, em algo mais próximo do humano.

... que ela mesma cozinha e transforma em refeições para os moradores de rua

Morar na rua durante uma pandemia

Para atender a população em situação de rua no período da pandemia do COVID-19, o serviço do Albergue foi reformulado e passou a funcionar na modalidade de abrigo, durante 24h por dia.

“Se antes da pandemia já tínhamos dificuldades, com o coronavírus elas se intensificaram. Tivemos um número de vagas oferecidas pelo município de Natal insuficientes, foram somente 90 vagas para os abrigamentos na modalidade de isolamento. Infelizmente, não houve por parte da Prefeitura de Natal um plano emergencial para a população de rua, não tivemos locais para higienização nas ruas, não tivemos pontos de água potável e nem a implantação do banheiro solidário aprovado na Câmara Municipal de Natal em março de 2020. Se não fosse a sociedade civil organizada, a população de rua não seria afetada somente pela covid-19, mas também pela fome e sede. Faltou materiais de higiene pessoal e pias solidárias, que acabaram sendo colocadas em alguns pontos da capital através da Agência Adventista de Recursos Assistenciais. Ficou nítido para nós do MNPR que para a Prefeitura de Natal só é população de rua quem está abrigada. Mas, nós sabemos que somente uma porcentagem pequena dessa população fica no abrigo. Além de tudo isso, tivemos duas situações complicadas que são as ameaças de despejos durante a pandemia: uma no antigo Albergue Municipal, no bairro da Ribeira (ocupação Pedro Melo do MLB), e outra que ocorreu no dia 27 de agosto, no Viaduto do Baldo, onde a prefeitura através da Semsur, determinou que as famílias que estavam morando sob o Viaduto saíssem de lá. Outra questão é que não sabemos quantas pessoas em situação de rua foram contaminadas pela covid-19 e quantas pessoas perderam suas vidas”, questiona Vanilson Torres.

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