Por uma política da amizade
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Por uma política da amizade

5 de junho de 2018
Por uma política da amizade

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Aristóteles dizia que é preciso distinguir a amizade da ideia de utilidade. Condividimos a amizade porque, em sociedade, é impossível viver sem amigos. Relembra Giorgio Agamben, que “o amigo não é um outro eu, mas uma alteridade imanente na ‘mesmidade’, um tornar-se outro do mesmo.” Uma profunda alteridade se funda neste princípio ético. Torno-me outro pela diferença que me funda como sujeito. Desta maneira, sentimos com o amigo as dores e delícias do mundo. A amizade deve ser alicerçada por uma comunidade de razões. Tal comunidade deve ser permeada por valores comuns a esta e, mais do que isso, deve garantir pensamento e opinião livres. A liberdade é a base que funda a comunidade de amigos e a tolerância deve ser a combustão amorosa entre os que divergem. Atualmente, a amizade tem perdido os valores aristotélicos de condividir e com-sentir. Tem perdido sua natureza radical para formar comunidades de razões diversas.

A crise da amizade aprofunda a crise da política, na medida em que esta tem sido mais a reunião de rebanhos para justificarem identidades do que a autoafirmação do comum e da pluralidade. Nas redes sociais digitais a amizade, muitas vezes, tem sido exercitada por um mero adicionar ou excluir de pessoas. O mero adicionar amigos é desprovido da narrativa da amizade, que exige maturação, experiência e comunicação profundas. Exige proximidade da mídia primária (corpo) e que nos tornemos afetados pelo outro. É preciso que refaçamos perguntas simples aos amigos, que reaprendamos a saber deles para termos interesses no que fazem e, assim, compartilhar alegremente seus júbilos. Amizades não serão duradouras quando, apenas, alimentadas por likes e comentários de Facebook ou por mensagens de WhatsApp. Raro é o tempo em que as pessoas se visitam ou fazem ligações demoradas.

A digitalização da vida tem nos levado a uma espécie de incivilidade afetiva. O outro é coagido a responder mensagens em tempo instantâneo. O uso de aplicativos dos smartphones, especialmente, tem contribuído para tal comportamento. Com eles, abrimos mão das interações proporcionadas pela cidade. Temos bancos, livrarias, bibliotecas, filmes, comida de todos os tipos, músicas e sexo ao alcance dos dedos. Da Amazon ao Tinder é uma questão de click. A cidade passa a ser aquela que o design do desejo e aplicativos configuram. Uma cidade indoors e desprovida de paisagens exteriores. Hoje, encontrar um amigo em espaço público torna-se enfadonho, pois exige deslocamento corporal e imersão nos acontecimentos citadinos. As pessoas não parecem dispostas a compartilhar experiências sedentárias. Isso mesmo, aquelas experiências que exigem lentidão, silêncio e perda de tempo com o outro. Cultivar amizade exige escolha, prudência e dedicação. E, por isso, não se pode ter vários amigos. Devemos concordar com Aristóteles quando diz, “aquele que tem (muitos) amigos não tem nenhum amigo”.

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