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28 de maio de 2020
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Por Teresa Freire e Hugo Manso, especial para a agência Saiba Mais 

Continuamos em nosso ritmo intenso de tele trabalho. TV ligada permanentemente, internet e telefones a todo vapor (vapor em plena indústria 4.0 é ótimo...).

A pandemia do novo Coronavírus (Sars-Cov-2) constitui-se o assunto, o tema. A doença por ele provocada, a Covid-19, o problema do planeta. Reforma da previdência, eleições municipais e outros temas até ontem super quentes, perderam a principalidade, mesmo sem deixar de serem pautados nos pensamentos, reuniões e atos governamentais.

Porquê?

Por que uma pandemia[1] identificada e analisada cientificamente “parou” o planeta. Situações diferentes começaram a ser vividas, ouvidas e comentadas. Claro que esse quadro, por si só, não trará mudanças sociais profundas.

Mudanças efetivas nas sociedades são movidas pelas disputas sociais, mas vale a pena ler a poesia de Caetano Veloso, “amanhã”:

Amanhã
Será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar

Amanhã
Mais nenhum mistério
Acima do ilusório
O astro-rei vai brilhar

Amanhã
Está toda a esperança
Por menor que pareça
Que existe é pra vicejar

Mas, para vivermos melhor, além de superarmos os efeitos da pandemia, será necessário alterar, e muito, a institucionalidade que existe hoje. Dos municípios menores ao planalto. De Venha Ver à Amsterdã... Sim, alterar a institucionalidade, eliminar procedimentos, vícios enraizados no aparelho dos Estados nacionais.

Evidentemente que outras estruturas substituirão as adoecidas. Não estamos falando em revolução[2], mas na busca de uma nova ordem mundial, a partir da correlação de forças em cada estado nacional. E para estabelecer essa nova correlação, no caso brasileiro, o fim imediato (e dentro do processo democrático) do governo Bolsonaro é ponto de partida, uma necessidade de higienização política e civilizatória.

Nesse cenário, nossas energias devem concentrar-se em dois movimentos simultâneos:

  1. Prevenção e cuidados - Individualmente, ficar em casa o maior tempo possível; reeducar-se, alterar hábitos, ler+, conversar com familiares, refletir. Coletivamente, defender e pressionar por +investimentos; agilidade na difusão massiva dos testes e transparência na utilização dos recursos, com punição efetiva para casos de corrupção.
  2. Disputar o presente e o futuro - As lições da pandemia devem possibilitar o estabelecimento de políticas públicas que enfrentem à miséria, a fome e os desequilíbrios ambientais no planeta. Exigimos imediata transferência financeira a título de renda mínima de cidadania de forma + segura, continuada e com transparência. A adaptação e ampliação de leitos hospitalares devem olhar a qualificação da rede para o quadro de crise e pós-pandemia. As mudanças de hábitos devem alterar legislações e posturas. Contudo não podemos alimentar nenhuma ilusão que esse processo venha a ocorrer de forma tranquila, natural. Por isso o movimento é de disputa. Disputa com o capitalismo neoliberal; disputa com a misoginia; com a violência e com a disseminação de uma “cultura da ignorância”, a negação da ciência.

O planeta vive uma imensa crise derivada de suas relações de produção. Nos falta humanismo; geramos mais dejetos que a capacidade do ecossistema recicla-los. A componente ambiental da crise, subproduto de nossas relações de produção, acentuou-se fortemente com a crise sanitária que marcará profundamente o século XXI.

Comparável aos processos do início do século XX (1ª guerra mundial + revolução bolchevique + crise espanhola + quebra da bolsa de valores em 1929), o século XXI se inicia com um desenho que não pode ter um desfecho semelhante ao do século XX: a 2ª guerra mundial. Precisamos preparar hoje, as saídas humanizadas para o próximo período histórico que se abrirá pós-pandemia.

Organizar a política é um passo determinante. Mesmo estando com medo, trabalhando em novo ritmo, pensando e sofrendo, é urgente e necessária à construção de uma nova cultura institucional com forte presença popular. Alguns textos falam em economia de baixo contato, se fortalecem as teses da economia solidária e criativa nesse contraponto à centralização capitalista do neoliberalismo. Precisamos lutar por outro modo de organização da economia, outra relação de poder, local e entre as nações.

A principal estrutura que precisa ser alterada, a saúde, vincula-se diretamente com a seguridade social, direitos de aposentadoria, renda mínima, moradia, mobilidade e saneamento. Assim, a economia pós-pandemia precisará reorganizar a produção, com um plano de obras públicas, reengenharia industrial e comercial. Fortalecimento da agroecologia e da alimentação saudável com origem na agricultura familiar. Descasque mais e desembale menos.

O SUS brasileiro com todas suas limitações e subfinanciamento demonstrou seu enorme potencial. Infelizmente foi necessária uma crise dessa dimensão para que muitas pessoas (inclusive importantes dirigentes institucionais) passassem a conhecê-lo e reconhecê-lo. O SUS precisa deixar de ser defendido apenas pelos sanitaristas, pelos militantes dos conselhos de saúde, pelas entidades vinculadas as lutas sociais para ser o plano de saúde de todos e todas.

O dinheiro disponível nos cofres dos governos (e das instituições) em suas várias instâncias de poder, está sendo direcionado para a compra de equipamentos hospitalares, pesquisa, adaptação de estruturas físicas e contratação de profissionais de saúde. Que bom! Saúde deixou de ser despesa e passou a ser investimento. Esse um bom ponto de partida para a construção de um programa, mínimo, de transição, que se inicia pela compreensão que salvar vidas é também lutar pela manutenção dos empregos, pela renda das pessoas e pela vida democrática do país. Evidentemente que sem a corrupção que novamente cerca as iniciativas públicas.

Não vamos pensar que “após o Coronavírus” a vida voltará ao que era antes. A disputa de narrativas que temos visto se manterá e será aprofundada. Os impactos nos relacionamentos humanos serão tamanhos e cada dia estarão mais presentes. Por um lado o comportamento individualista (neoliberal e xenófobo), incentivado por um governo ultra neoliberal, de extrema direita que não executa as poucas e insuficientes medidas aprovadas no congresso. Assim, o enfrentamento simultâneo das dimensões sanitária, econômica, política e cultural da crise está a nos exigir uma postura humanista, radicalmente democrática e libertadora.

Novos pactos de convivência, legislações específicas, novos costumes estarão sendo estabelecidos. Mudanças profundas acontecerão após a pandemia. Com repercussões positivas ou não para os trabalhadores. Hoje, mais que nunca, a luta para salvar vidas é indissociável da defesa do emprego, da renda e da democracia. Nunca ficou tão claro o papel do trabalho na construção da riqueza humana. Segundo o professor Dermeval Saviani, trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transformando-a. assim, a sociedade se estrutura a partir do processo de trabalho e não o contrário.

Fica, assim, o convite para construirmos ambientes + saudáveis, praticarmos + esportes e viver com + tempo para o lazer e a cultura.

[1] Classificação da OMS para doença que pode chegar a contagiar todos os habitantes do mundo. A peste negra foi uma das maiores pandemias e atingiu boa parte da Europa no século XIV. A AIDS descoberta na década de 1970 ainda contamina milhões de pessoas. O Sars-Cov-2, surgiu em 2019 e a doença por ele provocada, a Covid-19 foi declarado como pandemia pela OMS em 11 de março de 2020.

[2] Segundo o Dicionário Houaiss a palavra revolução é datada do século XV e designa: "grande transformação, mudança sensível de qualquer natureza, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina"; "movimento de revolta contra um poder estabelecido, e que visa promover mudanças profundas nas instituições políticas, econômicas, culturais e morais"

Teresa Freire é psicóloga e sanitarista; Hugo Manso é engenheiro e professor do IFRN

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