Prefeitura quer construir hospital em Zona de Proteção Ambiental
Natal, RN 19 de mar 2024

Prefeitura quer construir hospital em Zona de Proteção Ambiental

13 de novembro de 2019
Prefeitura quer construir hospital em Zona de Proteção Ambiental

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A Câmara Municipal aprovou um projeto que autoriza a prefeitura de Nata a construir um hospital numa Zona de Proteção Ambiental (ZPA). O município alega que o terreno não possui função ambiental. A decisão foi classificada por especialistas como sendo mais um ataque do chefe do Executivo ao Plano Diretor da Cidade, em desrespeito às leis do próprio município.

A construção do prédio próprio para o Hospital Municipal de Natal foi apresentada pelo prefeito Álvaro Dias como sendo uma das saídas para a falta na disponibilidade de leitos médicos na cidade. No entanto, o terreno no qual a prefeitura pretende levantar a unidade é caracterizado pelo Plano Diretor como sendo uma Zona de Proteção Ambiental, que se divide em áreas de preservação, conservação e uso restrito.

O projeto foi repassado para recolhimento de assinatura em caráter de urgência, somente com a informação que se destinava à construção de uma nova unidade hospitalar para o município. No entanto, ao analisar o texto, a vereadora Divaneide Basílio (PT) notou que o projeto tratava a sede como sendo a região da Zona de Proteção Ambiental 1, conforme delimitada pelo Plano Diretor da cidade. A área fica entre as áreas de Candelária, Pitimbu e Cidade Nova.

Vereadora Divaneide Basílio (PT) constatou que o local era uma ZPA.

De acordo com a legislação ambiental de uso dos espaços urbanos, Zona de Proteção Ambiental é classificada como uma área na qual as características do meio físico restringem o uso e ocupação, visando a proteção, manutenção e recuperação dos aspectos ambientais, ecológicos, paisagísticos, históricos, arqueológicos, turísticos, culturais, arquitetônicos e científicos.

"A prefeitura alegou que nessa área não há mais função ambiental, pois tem pouca vegetação e está antropizada, ou seja ocupada pela presença humana, mas isso não é tão simples assim", explica a advogada Érica Guimarães, membro do Fórum do Direito à Cidade.

De acordo com a advogada, a proteção ambiental discutida não se refere apenas à vegetação ou a fauna porque a área se trata de uma zona de proteção ambiental caracterizada pela presença de um complexo de dunas, que é "fundamental para o abastecimento de água da população da cidade, pois garante a recarga do aquífero".

Emendas derrubadas

A votação se deu em caráter de urgência e em tempo recorde porque, segundo o prefeito, era necessário apressar para que não houvesse perda de verba. Entretanto, a legislação ambiental do município regula que projetos como esses devem, previamente, serem analisados por órgãos de consulta, como Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e pelo Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente (Complam), para "garantir a gestão democrática da cidade e o controle social dos cidadãos", explica a advogada.

A vereadora Divaneide Basílio (PT) chegou a apresentar quatro emendas para que a votação fosse feita nos ritos normais e assegurando toda a legalidade, de maneira a não haver nenhum dano socioambiental. As emendas apresentadas tinham como intenção apenas mudar o local da construção e promover a discussão nos conselhos competentes, mas foram negadas pela Casa.

Danos ambientais

Segundo Lucas Bullio e Erica Guimarães, o problema envolvido na construção do hospital não envolve somente as questões legais definidas a partir da legislação municipal. A região ainda apresenta problemas em relação à ausência de estrutura de saneamento básico, chegando até a ser recomendado pelo Ministério Público Estadual (MPE) que não fosse licenciada nenhuma edificação enquanto não houvesse conclusão do esgotamento.

Segundo o texto da proposta, somente a construção do hospital é prevista, não havendo nenhuma garantia de ampliação ou retomada das obras da rede de saneamento básico e nem outro projeto relacionado. "Não há rede de esgoto instalada nessa região ainda e a obra que está em andamento não tem data próxima para ficar pronta", explica Lucas Bullio, advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.

"Além disso, ao se permitir a construção de um hospital em cima de uma área de recarga de aquífero há o risco direto de contaminação química do lençol freático e isso é explicado pelos especialistas na área, como o Engenheiro Sanitarista Aldo Tinôco, uma referência nessa temática em Natal", explicam os advogados.

O MPE chegou a recomendar à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) que nenhuma construção fosse autorizada no entorno dessa região enquanto não fossem concluídas as obras de saneamento que ainda restam. O problema se dá pelo risco de contaminação do lençol freático da região pelos efluentes domésticos das fossas sépticas. "Enquanto a rede de esgoto não estiver efetivamente em operação, o funcionamento do hospital somente irá agravar a situação, intensificando, inclusive, com o despejo de efluentes químicos", denuncia a advogada e também membro da Comissão de Direito Humanos da OAB, Erica Guimarães.

Única região possível, diz prefeito

Conforme o projeto apresentado pelo prefeito Álvaro Dias, a região da zona ambiental foi defendida como a "única possível" para construção do hospital. O chefe do Executivo municipal e a equipe da Semurb justificam que a região não possui função ambiental por ser "dotada de pouca densidade de vegetação" e ter um trecho "ocupado por invasão", o que caracterizaria o processo de antropização no terreno propriamente dito e no entorno.

"A prefeitura e a maioria dos vereadores parece não se preocupar com esses riscos e modifica uma legislação que garantia um tratamento de conservação para uma determinada área para uso restrito. A dúvida que paira no ar é: se há outros terrenos de grande porte públicos na cidade, por que a prefeitura entendeu que só poderia construir o hospital nesse local?", questiona Guimarães.

O projeto ignora a existência de diversos estudos feitos por técnicos e profissionais até mesmo própria Semurb e pesquisadores sobre a existência de vazios urbanos em Natal. "São áreas públicas, abandonadas e localizadas em regiões da cidade com acesso a transporte público que poderiam ser utilizadas para a construção do hospital sem a necessidade de modificar uma lei para flexibilizar as regras de proteção ambiental", conclui a advogada.

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