Marisqueiras potiguares terão prioridade em indenizações em caso de desastres ambientais
Natal, RN 25 de abr 2024

Marisqueiras potiguares terão prioridade em indenizações em caso de desastres ambientais

9 de abril de 2021
Marisqueiras potiguares terão prioridade em indenizações em caso de desastres ambientais

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Todos os dias, Rita de Cássia da Silva, 41, levanta de madrugada, prepara o café da manhã dos filhos e a cabaça, refeição que leva consigo para o trabalho, e sai de casa para pescar mariscos. Por volta das 4 da manhã ela já precisa estar pronta pois, a depender da maré, o percurso até o lugar ideal para captura de ostras e peixes pode variar de uma a duas horas e meia de caminhada. 

Residente em Macau, distante 175 km de Natal, Rita está entre as cerca de 10.200 mulheres pescadoras registradas no CadÚnico que sobrevivem da captura artesanal de peixes e mariscos. Essa é a principal forma de sustento e subsistência dessas famílias e continua sendo afetada tanto pela pandemia da Covid-19 como pela crise ambiental causada pelo derramamento de petróleo nas praias brasileiras, iniciado em agosto de 2019.

Na tentativa de auxiliar essas comunidades, foi aprovada nesta quarta-feira, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte um projeto de Lei (PL) que prioriza marisqueiras no pagamento de indenizações em caso de desastres ambientais.

A proposta elaborada pelo mandato da deputada estadual Isolda Dantas (PT) trata sobre a Política Estadual de Desenvolvimento  e Apoio às Atividades das Mulheres Marisqueira do Rio Grande do Norte. O projeto indica que, “na hipótese de desastres ambientais provocados ou não por ação humana em áreas de manguezais, o Poder Público dará preferência na ordem de pagamentos as marisqueiras que ficaram impossibilitadas de exercer sua atividade”.

Rita de Cássia da Silva, marisqueira e ostrocultora de Macau (RN) / foto: cedida

O documento também estipula que compete ao poder público o apoio às marisqueiras por meio de financiamentos. Além disso, o estado deve oferecer a construção de creches em regiões que atendam a essas profissionais e oferecer serviços de saúde também a essas comunidades tradicionais.

Dentre as justificativas para a criação do projeto, a deputada argumenta que há uma carência de políticas públicas voltadas as comunidades tradicionais. Além disso, explica que o trabalho das mulheres marisqueiras contribui para a segurança alimentar e conservação do meio ambiente costeiro, de lagos e açudes.

O PL também estima que existam no estado até 35 mil pescadores e pescadoras artesanais, e é um setor produtivo relevante para o Estado, que tem o turismo como uma das principais atividades econômicas.

Todavia, segundo o documento, falta assistência a condições de trabalho insalubres e promoção de saúde a esses profissionais.

A Pandemia aprofunda problemas que começaram com o vazamento do petróleo

Vazamento de petróleo foi registrado em agosto de 2019 e é reconhecido com o maior desastre ambiental do país

“É nas cidades que a gente vende mais marisco, peixe, pra esse pessoal turista. Nós entregamos ao atravessador (pessoa que compra para revender). É o pessoal de Pernambuco, Fortaleza, Paraíba que compra os nossos mariscos para vender nas praias. E agora não está tendo venda. Nós entregávamos o marisco a R$ 7, mas baixou e está [custando] R$ 5. E não tem nem a quem vender”, explica a marisqueira Rita de Cássia, que é também coordenadora nacional da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP).

Ela lembra que o problema se aprofundou durante o aparecimento do petróleo nas praias, a partir de 30 de agosto de 2019. Até janeiro de 2020, o óleo havia atingido praias dos nove estados do Nordeste, além de ter surgido também no Sudeste, atingindo o Espírito Santo e Rio de Janeiro. Investigações da Marinha e Polícia Federal não chegaram a conclusão da responsabilidade sobre o desastre.

"Nós entregávamos o marisco a R$ 7, mas baixou e está [custando] R$ 5. E não tem nem a quem vender"

Rita de Cássia da Silva, marisqueira de Macau

Mas esse não é o único crime ambiental que prejudica os mangues e praias onde vivem essas comunidades de pescadores. Há ainda os problemas com salinas e criação de camarões em cativeiro:

“O maior crime ambiental que nós tivemos foi o derramamento de petróleo. Prejudicou muito nós aqui do Estado, tanto do Rio Grande do Norte como da Costa Nordeste. Quando a gente vai começando a respirar, vem essa covid-19. [...] E também nós temos muitas salinas que estão matando os nossos mangues. Também tem esses camarões que estão acabando com nossos peixes. Quando eles abrem as comportas, vários peixes acabam morrendo novinhos. Nós temos essa situação aqui no Rio Grande do Norte”, explica a marisqueira.

Beneficiária do Bolsa Família, Rita conseguiu receber o auxílio emergencial em 2020 para manter a casa onde ela vive com mais cinco pessoas, incluindo dois filhos e uma neta de 6 meses. Na época, o valor de R$ 600 pode ser uma ajuda no sustento da casa enquanto a venda dos mariscos não podia ser devidamente retomada. Agora, com o novo valor variando de R$ 150 a R$ 375, a marisqueira teme que não consiga arcar com os gastos mínimos da casa nesse período de agravamento da pandemia.

Projeto de Isolda Dantas atende reivindicação histórica de mulheres que sobrevivem da pesca no RN

Projeto articulado pela Ong Oceânica e pescadoras de Natal foi abraçado pela deputada Isolda Dantas (PT) / Foto: cedida

O maior impacto do projeto de lei está no reconhecimento do trabalho dessas mulheres, argumenta Joane Dantas, articuladora para assuntos relacionados à pesca Artesanal da Oceânica, Organização da Sociedade Civil. 

“Estamos falando aí de uma reivindicação que é histórica, do reconhecimento do trabalho da mulher na pesca. Elas muito recentemente estão podendo entrar nas associações, nas colônias, que até então elas não podiam nem entrar porque elas não eram consideradas”, lembra Dantas.

Segundo a articuladora, até bem pouco tempo essas mulheres tinham dificuldade de ter o Registo Geral de Pesca (RGP) e não conseguiam se impor nas áreas de pesca.

A presença do crime organizado também dificulta a vida das pescadoras que precisam ir aos mangues acompanhadas dos maridos ou em grupos maiores de mulheres e, mesmo assim, são alvo de violência, indica Joane. 

“Esse PL, na verdade, vem pautando todas as reivindicações que as mulheres fizeram nessa perspectiva de dar visibilidade e melhorar as condições de vida e trabalho. Então, nós percebemos aí que é um grande avanço e precisamos continuar monitorando para que esse projeto realmente saia do papel”, conclui.

Para entrar em vigor, a proposta precisa ser sancionada pela governadora Fátima Bezerra (PT).

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