PSOL lança em Natal primeira chapa coletiva para disputar uma prefeitura no país
Natal, RN 29 de mar 2024

PSOL lança em Natal primeira chapa coletiva para disputar uma prefeitura no país

5 de setembro de 2020
PSOL lança em Natal primeira chapa coletiva para disputar uma prefeitura no país

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Ao invés de um candidato a prefeito e outro a vice, o PSOL decidiu lançar uma chapa coletiva para concorrer a Prefeitura de Natal em 2020. A iniciativa é inédita no país. Essa é a primeira vez que um partido lança uma chapa coletiva para as majoritárias. O grupo será formado pela historiadora, ativista ambiental e ex-bancária Nevinha Valentim, o administrador e estudante de Direito Danniel Morais e a servidora aposentada do Ibama Liliana Lincka. Um quarto nome também vai compor a chapa, mas ainda está em estudo.

“A proposta é mais antiga. Nós percebemos que os movimentos populares despendem muita energia tentando barrar os projetos equivocados das gestões. Mas, com o impeachment de Dilma e esse clima que instalou no Brasil, as discussões não seguiram em frente porque as pessoas não estavam muito dispostas a parar pra escutar sobre isso, ficaram com uma espécie de aversão”, explica Nevinha, conhecida na cidade pela participação nos movimentos sociais e vigilância permanente nas votações de revisão do Plano Diretor da capital.

O tema, aliás, tem relação com a candidatura. Nevinha conta que as conversas para o lançamento da chapa coletiva foram retomadas com as discussões do Plano Diretor de Natal.

“A questão do Plano Diretor tem sido um desastroso capítulo à parte. Quando começamos a discutir a formação de uma coletiva, não tínhamos a intenção de nos candidatarmos, mas os colegas perceberam que seria importante para levar o tema à frente”.

A proposta é que a cadeira, seja de prefeito ou vereador, seja ocupada por um grupo de pessoas e não apenas por uma, como acontece hoje em dia. Nesse novo formato, os candidatos fazem toda a campanha em conjunto, mas apenas um é inscrito na Justiça eleitoral. Na urna eletrônica só aparece a foto e legenda de um dos integrantes, mas em caso de vitória, o grupo assume a cadeira. O modelo permite chapas mais plurais e representativas, além da noção de o mais importante de uma candidatura, são as propostas que elas defendem.

“Há décadas os mesmos grupos políticos se revezam no poder sem nenhuma possibilidade de participação real do povo nos espaços institucionais”, critica Danniel, presidente estadual do PSOL.

"É uma ideia inovadora de despersonalização da política", avalia cientista social

Para viabilizar as chapas coletivas e garantir a participação de todo o grupo, os partidos têm usado algumas estratégias. O cientista social e professor da UFRN César Sanson classifica de "inovadora" a iniciativa:

“Alguns mandatos coletivos utilizam a estratégia da suplência, ou seja, uma pessoa assume e posteriormente ‘renuncia’ para permitir o rodízio. Outra estratégia é que aqueles que não constavam na urna e integram o coletivo, sejam nomeados assessores e construam um mandato participativo com divisão igualitária do salário e tarefas. Há ainda a combinação das duas estratégias. É uma ideia inovadora de despersonalização da política. No Brasil, a cultura é de que o mandato é da pessoa e não representa um programa. O mandato coletivo rompe com isso”, detalha.

Iniciativas de campanhas coletivas já têm ocorrido em alguns lugares do mundo. No Brasil, elas começaram em 2016, apesar de pouco conhecidas. Em 2020, Recife, Aracaju e Ceará também vão concorrer com o novo modelo.

“O PSOL é quem mais tem lançado candidaturas desse tipo. Não há, porém, ainda um balanço mais claro de como têm sido essas experiências, de seus avanços e limites.  Mas é uma iniciativa que veio para ficar e a tendência é que com o tempo a legislação eleitoral seja reformada para assimilar essa experiência”, avalia o professor Sanson.

Luz e transparência

Segundo o advogado eleitoral Kennedy Diógenes, Ouvidor Geral e membro da Comissão de Fiscalização da OAB/ RN, a legislação federal brasileiras não prevê, mas também não possui qualquer impedimento às candidaturas coletivas.

“Formalmente, há o registro de apenas um nome, sendo este quem tomará posse, caso eleito. As candidaturas coletivas expressam com maior propriedade o princípio democrático, uma vez que propiciam ao eleitor uma identificação ideológica e política mais ampla externada pelo grupo que se compromete a agir como um só. Tenho dito que as candidaturas coletivas trazem à luz e dão transparência a antiga prática de se eleger determinada pessoa, mas o cargo, depois de conquistado, seria exercido por outros que, na maioria das vezes, estaria até inelegível. Pelo menos, nas candidaturas coletivas, o eleitor sabe em quem está votando e isso é bom para a democracia”.

Numa época em que a política e seus representantes são tão contestados, a ideia é chamar as pessoas para dentro das decisões, com o fortalecimento dos conselhos e associações de bairro, além do espaço para debate de orçamento participativo.

Chapas coletivas foram eleitas em 2016 e 2018 em quatro estados do país

O modelo não é novo, embora a experiência seja inédita em eleições para a prefeitura. Em 2016 e 2018, chapas coletivas no pleito proporcional foram eleitos em Belo Horizonte (MG) e Alto Paraíso (GO), ambas em 2016, e em São Paulo e Pernambuco, em 2018. Além das novas datas de votação e procedimentos de segurança sanitária por causa da Covid-19, as candidaturas coletivas trazem um novo fôlego num cenário político desgastado.

“Há alguns anos essa política representativa tem sido muito questionada. Ela é muito personalista, mais centrada nos candidatos e menos nas propostas do partido. Muitos se dizem socialistas na legenda, mas não têm relação com a causa.  Essa proposta surge como resposta ao sistema eleitoral muito duro e que acaba favorecendo quem tem mais poder econômico, capital político, é figura pública conhecida, tem curral eleitoral e compra voto... essas coisas que a gente sabe que acontece”, analisa Mariana Jardim, assessora de comunicação do PSOL.

A jornalista vai coordenar a comunicação da chapa coletiva da sigla em Natal e defende que, nesse modelo, as pessoas devem assumir um papel direto na mudança dos rumos da cidade:

“As vantagens são muitas porque é uma proposta que defende que a política é pra todo mundo, não tem que ser apartada do povo. É interessante porque já partimos de uma proposta que diz às pessoas que elas são mais do que bem vindas, são necessárias para construção da cidade que a gente quer. Enquanto as pessoas não assumirem os rumos da cidade, ela vai continuar do jeito que está. Nas mãos das oligarquias, dos mais ricos e das pessoas que conseguem se perpetuar há anos na política”, convoca Mariana.

Como tudo que é novo, a proposta pode enfrentar resistências:

“As dificuldades têm relação com o fato da disputa, dentro da política institucional, não ter sido feita para propostas inovadoras. A legislação não foi feita para isso, nem as pessoas estão acostumadas, sempre querem saber quem é o candidato, a lógica é muito centrada no personalismo. É algo novo e estamos aprendendo ao mesmo tempo que fazemos. É ótimo porque nos traz muitas possibilidades, ao mesmo tempo que é complexo. Estamos caminhando e descobrindo como andar”, explica,

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