Quero a sorte de um domingo tranquilo…
Natal, RN 18 de abr 2024

Quero a sorte de um domingo tranquilo...

2 de junho de 2021
Quero a sorte de um domingo tranquilo...

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Nasceu dia desses um domingo que nem parecia pandemia. Acordou diferente dos outros dias iguais, embora ainda todos usássemos máscaras, acostumados ao ar rarefeito, e afinal a gente sabe que essa coisa de respirar o próprio gás carbônico nem deve acabar tão cedo.

Talvez nos estimule a fotossíntese, ou qualquer mutação que nos leve à Marte, o planeta. Não só a amar-te, o que temos nos feito, uns aos outros, de um jeito todo diferente, mas sempre, e porque nunca parece suficiente, em especial diante desse distanciamento obrigatório, que também é uma maneira de amar-te, porque significa cuidado, além das mais diversas e criativas formas existentes neste universo, e no paralelo, claro, de ir à Marte.

Há quem torça por um gigantesco meteoro devastador que permita o restart automático dessa porra toda, mas eu sinceramente sonhei que esse meteoro fosse feito de gente. E se fosse feito de gente batendo asas então, melhor ainda, porque acredito demais no tal efeito borboleta, e se a vontade é de voar, cair não iríamos.

E foi exatamente isso que aconteceu no domingo, quando caminhamos sob o sol e por cima das nuvens refletidas em pequenos cursos de águas, ignorados pelo caminho por quem não treinou o olhar para apreciar assim todas as grandezas do ínfimo que Manoel de Barros bem nos alertou que merecem mais atenção. Mas eu mesma não saberia disso, não fosse um novo amor me apresentar recentemente o poeta conhecedor das profundidades do nada e das mais encantadoras insignificâncias desse mundo.

Jatobás, ipês, barbatimãos, flores do Cerrado e até lobeiras contaram histórias tantas que nos distraíram da triste realidade de viver num país com mais de 450 mil mortos pela Covid-19. Não que estivéssemos distraídos deste fato. Aquele número, que é muito mais do que um número, não saiu da cabeça de nenhum dos que ali estavam, mas que sorte a nossa de podermos estar ali, vivos e saudáveis, em nome talvez dos mais de 450 mil que não puderam, assim como no 29 de maio, desafiando a inércia contumaz que assolou o Brasil e o mundo.

A verdade é que estamos todos cansados demais de viver nesse looping infinito desde que tudo começou, e não vemos a hora de terminar, mas entendemos que, apesar do caos, é preciso continuar respirando vez em quando, o que já é um ato de resistência, aliado ao “rir”, que exige um pouco mais de esforço, até em nome de quem não consegue mais respirar, e que dirá rir. E foi por isso que chegamos até lá no Lago Oeste ou no Lago Norte, tanto faz. Fomos movidos pelo mesmo desejo de fugir do presente, que tá difícil demais de engolir, de digerir, de existir.

O lugar ordenou que o tempo parasse e todo mundo obedeceu de pronto. Até mesmo os celulares, que inclusive fizeram questão de perder o sinal, transformando-se em meras câmeras fotográficas, nem sempre engatilhadas para flagrar os instantes que o próprio olhar faminto dos próximos passos daquela trilha identificou rapidamente que só mereciam seguir os anagramas de um filósofo das ruas que cantou primeiro a coincidência dessas palavras: observar e absorver.

Quando menos esperávamos, éramos bandeirantes e candangos, desbravando nossos próprios medos, encontrando e construindo pedaços de todas as partes de nossas almas e desse país, que ali também estiveram antes da gente, sem máscara ou pandemia, mas com iguais temores. E sem percebermos, voltamos ao começo, onde o barulho das águas anunciava o irrecusável convite para renovar as energias deixadas na caminhada, que teve início muito antes do portão da Serrinha da Aldeia, nos arredores de Brasília, porque nossos primeiros passos foram de pura sobrevivência, há mais de um ano. E pelos que não estavam lá é que eu mergulhei naquele rio, que me chamava. Mas espero voltar lá em breve, com um país inteiro vacinado.

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