Racismo à brasileira, o crime perfeito (4)
Natal, RN 26 de abr 2024

Racismo à brasileira, o crime perfeito (4)

2 de maio de 2019
Racismo à brasileira, o crime perfeito (4)

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Caro leitor e cara leitora, se você não leu o texto passado - Racismo à brasileira, o crime perfeito (3) - peço que o faça, por favor. É essencial para dar entendimento ao tema que vou tratar aqui.

Terminei o artigo anterior falando da escolha do Estado brasileiro em criar uma política oficial de imigração como parte do projeto de eugenizar a sociedade brasileira, ou seja, exterminar qualquer traço do povo do preto.

Antes de destrinchar o assunto, vale destacar aqui, já que vivemos tempos em que falar o óbvio é necessário todo dia, os imigrantes de todo o mundo cumprem há centenas de anos um papel vital no desenvolvimento da nossa cidade. Gente de origem asiática, árabe, europeia e outras tantas são responsáveis por grandes feitos - e, naturalmente, outros nem tão grandes assim - na economia, nos esportes, na música e por aí vai. Esta peça não é para falar mal dos imigrantes.

Dito isso, vamos ao que interessa aqui no texto… Como disse no texto anterior, o governo de Getúlio Vargas encampou a ideia de criar uma raça brasileira superior, leia-se, um homem branco, forte, de olhos claros e tudo mais, inspirado nos colegas totalitários da Europa.

Era um ideal que por décadas, expressamente entre o fim do século XIX e o fim dos anos 1940, correu abertamente em debates nas classes dominantes e terminou expressa em políticas públicas, decretos-lei que proibiam ou estabeleciam cotas esdrúxulas para a entrada de negros - e em certo momento também de asiáticos e judeus - e por fim a inclusão da educação eugênica na Constituição de 1934.

Getúlio Vargas, por exemplo, entregou a política de imigração nas mãos de racistas como Oliveira Viana, um dos grandes expoentes da eugenia no Brasil e membro da Academia Brasileira de Letras, que em seu perfil fala que o seu livro Raça e assimilação (1932) “representava uma visão tradicional dos problemas da raça, e deu margem a polêmicas”. Que dificuldade de chamar racista de racista, não é mesmo?

Viana era companheiro de ideias do escritor Monteiro Lobato, que defendia a ideia de que o povo brasileiro precisava de "sangue da raça mais superior" e que o brasileiro “patriota" era o que fosse casado com uma italiana ou uma alemã. Ainda falava que a miscigenação foi responsável por criar "corcundas de Notre Dame" no Rio de Janeiro e que só a segregação racial, como os EUA manteve oficialmente até meados do século passado, e a imigração europeia seria possível. Banhado de todo o racismo possível, Lobato ainda chegou a escrever Presidente Negro, que narrava a eleição de um negro à Casa Branca em 2228, o que na união de todos os brancos norte-americanos e extinção dos pretos. Como se vê, para além do Sítio e do racismo, a imaginação do escritor e o seu poder de “adivinhação” não eram lá grande coisa.

Todo esse ideário promoveu os pretos escravizados que foram libertos antes ou depois de maio de 1888 mas nunca tiveram, por exemplo, terras à disposição, auxílios para financiamento, para locomoção ou estabelecerem um tipo de produção econômica, como aconteceu com os imigrantes vindos principalmente da Europa, que chegavam mesmo a receber incentivo financeiro do Estado para a educação dos filhos.

Some-se a isso as consequências práticas da Lei de Terras, ainda de 1850, que impedia que os escravizados e mesmo os pretos libertos obtivessem um pedaço de chão por meio do trabalho, enquanto concedia subsídios a quem viesse do exterior para trabalhar no Brasil. A lei ainda previa que o Estado detinha o poder de dizer quem podia comprar terra ou não. Adivinha quem não estava no topo dessa lista prioritária… ? Para apurar os resultados dessas políticas, basta dar uma olhada no perfil de quem vive nas franjas das grandes cidades, quem detém os grandes meios de produção no campo, quem explora as fronteiras agrícolas até hoje.

Enfim, essa é apenas uma reflexão superficial que trago aqui para mexer um pouco com a cabeça de vocês, ampliar os horizontes, jogar luz na compreensão do porquê o Brasil é o que é hoje. Seguiremos mais à fundo no assunto nos próximos textos. Até lá!

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.