Reabertura do comércio é empurrão ao homicídio em massa
Natal, RN 29 de mar 2024

Reabertura do comércio é empurrão ao homicídio em massa

1 de julho de 2020
Reabertura do comércio é empurrão ao homicídio em massa

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Em uma cena de 12 Anos de Escravidão, vencedor do Oscar de 2014, um despachante de escravos afirma que seus sentimentos são do tamanho de uma moeda. A mensagem é simples de decifrar: o fato de comercializar gente não o sensibiliza, de modo que a moeda representa fisicamente o tamanho do que sente, algo diminuto diante do lucro que tal atividade garante. Simboliza, da mesma forma, o enriquecimento decorrente da venda de pessoas negras. Pouco importa se há morte e sofrimento no que faz, desde que seus bolsos permaneçam cheios.

Em tese, a tendência do capitalismo em dar valor de troca a tudo - incluindo elementos essenciais à vida como a água - é contida pelo que se convencionou a chamar de civilização. Apenas em tese, claro. O advogado Lújin, personagem de Crime e Castigo, por exemplo, conclui em suas pregações liberais que “há um limite para tudo. A Teoria Econômica não é ainda um convite ao homicídio”.

Mesmo para um inescrupuloso alpinista social como Lújin convém estabelecer limites ao capital. Dostoiévski, todavia, não fazia ideia do que se passaria no Brasil de 2020 e, em especial, numa certa esquina da América do Sul. Se estivesse aqui, veria que, sim, a Teoria Econômica, confundida pelo liberalismo vulgar como sinônimo da própria Economia em si, não é só um convite, mas um empurrão ao homicídio em massa.

Após pressões de entidades patronais, que não se acanharam em acionar suas penas de aluguel em um certo jornal septuagenário para fazer ameaças sórdidas, o governo do Estado cedeu, informando que irá promover a “retomada gradual e responsável” da atividade econômica. Natal, por sua vez, nunca apresentou resistência a pressões dessa natureza. Pelo contrário.

É consenso que estamos longe do pico da pandemia. Os números não mentem. Nesta semana, o Rio Grande do Norte chegou aos quatro dígitos de mortes pela Covid-19. Belo Horizonte também reabriu gradualmente seu comércio, seguida por Florianópolis, Campo Grande, Porto Alegre e Goiás. Contudo, se a reabertura pretendia ser “gradual e responsável”, a explosão de mortes e infectados não respeitou etapas. Ao verem que a reativação do comércio foi uma irresponsabilidade, voltaram atrás, impondo mais uma vez medidas de restrição.

Há algum motivo especial que faz crer que a reabertura terá destino diferente no Rio Grande do Norte? Não. Há sinais de que estamos ao menos perto de atingir o pico da pandemia? Também não. Por que então reabrir? “Não podemos parar por sete mil que vão morrer”, responde Roberto Justus, em declaração ainda do mês março. Já passamos dos cinquenta mil. Seus sentimentos, assim como os da CDL, FIERN, Fecomércio e entidades entusiastas da reabertura, são do tamanho de uma moeda.

* Gustavo Freire Barbosa, advogado e professor, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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