Reflexões e caminhos para Ponta Negra
Natal, RN 29 de mar 2024

Reflexões e caminhos para Ponta Negra

30 de junho de 2019
Reflexões e caminhos para Ponta Negra

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

A orla de Natal vem sendo discutida pelo Fórum Direito à Cidade desde o Seminário “Orla de Natal em Debate” e este é o terceiro texto (não perca as demais contribuições aqui) de uma sequência de publicações que sintetiza e divulga o conteúdo discutido e construído coletivamente na ocasião. Tendo em vista o processo de revisão do Plano Diretor de Natal abordaremos o bairro e a orla de Ponta Negra, destacando sua importância para a cidade e a economia local.

O Morro do Careca e o mar tranquilo a perder de vista são os elementos de uma paisagem exuberante que se vê enquadrada de longe, desde que se faz a curva na Avenida Engenheiro Roberto Freire em direção à Rota do Sol. Estes elementos se constituem em um dos principais cartões postais de nossa cidade e uma cena que a “apresenta” para o restante do país e para o mundo. No entanto, essa paisagem e a permanência da população tradicional do bairro de Ponta Negra vivem constantemente ameaçados.

Historicamente, antes mesmo de possuir uma grande concentração de hotéis, restaurantes, quiosques e demais serviços voltados para o turismo, o bairro é residencial, com moradias que se dividem entre os conjuntos Ponta Negra e Alagamar (construídos entre as décadas de 1970 e 1980) e Vila de Ponta Negra, cuja ocupação data de meados do século XIX e foi instituída (e não regulamentada) como Área Especial de Interesse Social (AEIS), no Plano Diretor de 2007.

Neste espaço convivem uma diversidade de atividades de suporte ao turismo e o cotidiano da população local, entretanto, os investimentos e espaços públicos, sobretudo aqueles voltados ao lazer, são pensados e direcionados prioritariamente para aqueles que vêm de fora. Reflexo disso é o fato de que, dentre todas as praias urbanas de Natal, se sobressai o uso desta faixa de orla pelos turistas que ocupam os hotéis lindeiros à Avenida Engenheiro Roberto Freire e ao calçadão, mas também aqueles junto a Via Costeira. Este público prioritário modifica a dinâmica de ocupação da faixa de areia da praia, tornando-a exclusiva em alguns trechos mais próximos de hotéis e tomada por mesas e cadeiras que só podem ser usadas mediante pagamento e/ou consumação nas barracas que as mantém, afastando, sobretudo, seu uso pelos locais.

Apesar de cartão postal e porta de entrada ao turismo na cidade, a Praia de Ponta Negra sofre devido à falta de manutenção do calçadão e de seus equipamentos de uso público (quiosques, banheiros, chuveiros etc.), deteriorados em função da erosão causada pela dinâmica das marés, o que afeta não só essa praia, como a da Via Costeira. A opção de contenção com a utilização de pedras para resguardo do calçadão, foi apontada como inadequada durante o “Seminário Orla” pois, além de ser ineficiente ao propósito estabelecido, ainda contribui para proliferação insetos e roedores. Estes últimos, junto ao mau cheiro, água servida e esgoto afloram em pontos estratégicos do calçadão, conformam um cenário incoerente com o status turístico da praia e com as condições de lazer, salubridade e qualidade de vida que deveriam ser ofertadas a todos os frequentadores. Falta ainda, um desenho urbano inclusivo que favoreça a acessibilidade à praia.

Sempre com o intuito qualificar o uso da Praia de Ponta Negra - contendo o avanço do mar e ampliando a área de permanência e fluxo de pessoas - obras de requalificação vem sendo realizadas desde o ano de 1997, quando o calçadão da orla foi estendido. Além de não atender às expectativas dos frequentadores da praia, a obra resultou na expulsão da maioria dos pescadores que ali trabalhavam, pois estes ficaram sem espaço para posicionar seus barcos, o que ainda se configura como forte conflito na área.

Entendido pelo Plano Diretor vigente como uma área com infraestrutura urbana e potencial de adensamento limitados, o bairro de Ponta Negra está inserido na Zona de Adensamento Básico da cidade, o que significa um coeficiente de aproveitamento de 1,2 vezes a área do terreno; ali há ainda a possibilidade de se erguer prédios com até 65 metros de altura, ou seja, desde que se tenha lotes com dimensões para tal: é possível construir prédios de 20 andares.

De forma contrastante, há também nesse bairro algumas áreas que recebem tratamento especial: a AEIS Vila de Ponta Negra, a Zona Especial de Interesse Turístico 1 (faixa de orla) e as Áreas Non Aedificandi (onde não se pode construir), localizadas à esquerda da Avenida Engenheiro Roberto Freire, em direção à praia.

A delimitação da Vila de Ponta Negra como AEIS se configura por suas características socioespaciais e é uma forma de garantir a permanência da população tradicional e socialmente vulnerável em seu local de origem, preservando suas manifestações culturais como, por exemplo, as atividades das Rendeiras da Vila, a pesca artesanal, o Coco no pé do Morro, o Congo de Calçolas. Estes e outros grupos têm a sua existência ameaçada quando o setor imobiliário propõe a extinção dessa área enquanto AEIS, a deixando suscetível às dinâmicas de mercado, que enxergam a Vila “apenas” como um espaço e priorizam seu valor de troca, em detrimento da população moradora, que a tem como um lugar para a reprodução de suas práticas sociais e vida cotidiana.

A mesma lógica de proteção, desta vez voltada à paisagem, permeia a instituição das Zonas Interesse Turístico na cidade. Com o objetivo de preservar a cena paisagística do Morro do Careca ao longo da costa, as prescrições urbanísticas da ZET 1 para construções entre a Avenida Roberto Freire e a praia obrigam o escalonamento das alturas dos prédios, a fim de que não obstruam a vista para o Morro e tampouco projetem sua sombra na faixa de areia da praia.

Em Ponta Negra, fora da AEIS, é possível, sim, verticalizar e adensar com responsabilidade e planejamento, considerando os investimentos e políticas públicas (saneamento e mobilidade) que garantam que o crescimento do bairro venha acompanhando de qualidade de vida e acesso aos bens urbanos para seus visitantes e moradores do bairro e do entorno.

Assim, as discussões que resultaram do Seminário “Orla de Natal em debate”, manifestaram-se no sentido de que a revisão do Plano Diretor de Natal não pode ser guiada por um ativismo do atraso que, sob a justificativa “modernizar” a cidade, expulse a população tradicional, exceda as possibilidades de infraestrutura física do território e não se paute pelas demandas cidadãs, priorizando o lucro de alguns em detrimento do “pleno desenvolvimento das funções sociais, e ambientais da cidade e da propriedade, garantindo um uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado do seu território, de forma a assegurar a todos os seus habitantes, condições de qualidade de vida, bem - estar e segurança,coletivo da cidade”. No que toca especificamente a orla de Ponta Negra, alguns pontos devem ser norteadores das discussões:

1- A regulamentação da AEIS Vila de Ponta Negra, pois ainda que esteja delimitada e submetida a prescrições gerais, não há legislação específica, alinhada com a realidade da área.

2- A revisão das prescrições da Área Non Aedificandi devem pensar modalidades de uso e ocupação que contemplem o desenvolvimento socioeconômico sem perder de vista os ideais de preservação da paisagem do Morro do Careca.

3- A alteração dos índices urbanísticos não deve acontecer no sentido de permitir maior verticalização e adensamento construtivo, visto que o bairro não possui infraestrutura compatível e tal flexibilização significaria uma ameaça à paisagem do cartão postal da cidade.

4- A requalificação da orla deve levar em conta o processo de erosão costeira e um projeto de desenho urbano que contemple a solução dos problemas da Avenida Erivan França.

Amíria Bezerra Brasil

Arquiteta e urbanista, professora e pesquisadora da UFRN, e coordenadora adjunta do Fórum Direito à Cidade/Natal.

Sarah de Andrade e Andrade

Arquiteta e urbanista, professora e pesquisadora; doutoranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFRN) e colaboradora do Fórum Direito à Cidade/Natal

Saulo Cavalcante

Estudante de Arquitetura e Urbanismo (UFRN) e colaborador do Fórum Direito à Cidade/Natal.

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.