Reforma trabalhista quer acabar com a Justiça do Trabalho, diz procurador
Natal, RN 18 de abr 2024

Reforma trabalhista quer acabar com a Justiça do Trabalho, diz procurador

10 de agosto de 2018
Reforma trabalhista quer acabar com a Justiça do Trabalho, diz procurador

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“O espírito da reforma trabalhista atual é a extinção da Justiça do Trabalho. Todo o aparato envolvido nessa reforma visa a dificultar ou nulificar o trabalho feito na Justiça e Ministério Público do Trabalho”. A fala é do procurador José Diniz de Moraes, que proferiu a palestra “A nova arbitragem no Direito do Trabalho”, como parte do Seminário “Reforma Trabalhista”, na sede do Ministério Público do Trabalho do RN, na quinta-feira (9).

A reforma, aprovada em 2017, autorizou a arbitragem – que é um tipo de julgamento privado, feito longe da Justiça – nos contratos individuais de trabalho. A essa medida, Diniz chamou de “tiro de misericórdia no processo de desmantelamento da Justiça do Trabalho”.

De acordo com ele, nenhum ato jurídico voluntário que busca solucionar conflitos teve sucesso no Brasil. “Somos péssimos negociadores de forma geral”.

Confirmando o desmantelamento da Justiça do Trabalho, o procurador apontou que já existem varas com redução de 50% no movimento. Isso principalmente porque a nova legislação fixou a obrigação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, destinados ao advogado da parte vencedora.

“Com as notícias catastróficas de condenação de trabalhadores a pagar até R$ 700 mil, é melhor perder o direito de R$ 5 mil para a empresa do que pagar R$ 15 mil à Justiça”, reclama, ao alertar que procedimentos judiciais trabalhistas estão mais custosos do que no Processo Civil. “O trabalhador não só vai perder como vai sair devendo e poderá ser inscrito no Serasa e SPC”.

Procurador-chefe do MPT-RN diz que reforma é lista de demandas dos poderosos

A reforma trabalhista foi pensada para atender demandas específicas de diferentes segmentos do poder econômico, na visão do procurador-chefe do MPT-RN, Luís Fabiano Pereira, que mediou o debate após na palestra de José Diniz. “Cada ponto dessa reforma tem uma encomenda certa”, apontou.

“O trabalho intermitente é uma demanda das redes de fast food, que querem, em horários de pico, aumentar o número dos que fazem bico, e com isso atender ao interesse deles. Agora podemos chamar de bico legal. E o trabalhador que se vire. Pior, que fique à disposição sem receber nada”, disse, lembrando que a perda de direitos atinge também classes que possuem remuneração mais alta.

A classe médica e outros profissionais de saúde e engenharias também são alvos de contratos que descaracterizam a relação de emprego. É comum médicos serem remunerados por meio de CNPJ próprio, como se fosse empresa, ou por meio de cooperativas.

“Em relação ao poder econômico do contratante, o médico, o farmacêutico, o enfermeiro, é tão peão quanto um ajudante de pedreiro”, alertou o procurador-chefe e lembrou que muitas das empresas que demandam contra o trabalhador têm um “poder econômico incontrastável”.

A Agência Saiba Mais pediu que o procurador do MPT-RN José Diniz de Moraes explicasse o que é a arbitragem. Entenda:

Saiba Mais: O que é a arbitragem e o que mudou com a reforma trabalhista?

José Diniz de Moraes: A arbitragem se define como um julgamento privado das causas; é a resolução de conflitos de forma extrajudicial. As demandas, ao invés de serem submetidas ao Poder Judiciário, são remetidas a entes privados, longe do Estado e do Poder Judiciário.

A arbitragem sofre uma série de limitações, porque diferentemente do Poder Judiciário, que é livre para julgar qualquer tipo de demanda, no processo arbitral só se admite julgamentos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. De modo que os direitos indisponíveis, a exemplo dos trabalhistas, normalmente não podem ser objeto de procedimento arbitral, teria que ser julgado pela Justiça do Trabalho. A reforma trabalhista mudou isso.

A Lei 13.417/2017 instituiu o artigo 507 A na CLT, prevendo o instituto da arbitragem nos dissídios individuais, o que não havia até então. Ela deixa ao patrão uma grande oportunidade de impor aos trabalhadores o instituto da arbitragem e aconteça o que acontecer, ele nunca poderá submeter os conflitos a apreciação do Poder Judiciário, terá sempre que submeter a uma arbitragem privada, à escolha do trabalhador e do patrão.

SM: Como é a escolha desses árbitros?

JDM: A escolha do árbitro depende de uma infinidade de fatores. Na maioria dos casos, organismos, câmaras arbitrais, são formadas e assumem o papel de julgar esses conflitos. É assim que acontece no Direito Comercial. No Direito Trabalhista nós não sabemos como vai ficar, porque a reforma ainda é muito recente. Mas pra simplificar: a escolha é sempre das partes. É claro que o patrão sempre tem o conhecimento maior de escolher mais adequadamente os seus árbitros.

SM: Afinal, quem são esses árbitros?

JDM: Em princípio isso é livre, pode ser qualquer pessoa, mas a arbitragem pede sempre que você escolha alguém que tenha conhecimentos técnicos sobre a matéria que vai julgar. Se você tem um problema de erro médico, escolhe um médico. Se tem um problema de falta disciplinar ética, escolhe um colega da profissão. E assim sucessivamente, porque dentro do seu histórico a especificidade dos julgamentos arbitrais foi sempre colocada como uma das suas grandes virtudes. Por exemplo, para um problema de concorrência, de formação de cartel, um juiz não tem a formação que têm os economistas para analisar.

SM: O senhor tem conhecimento de algum caso de arbitragem aqui no Rio Grande do Norte?

JDM: Não tenho conhecimento de nenhum caso, nem privada, nem coletiva, que sempre existiu. Aí entra uma coisa interessante. É que esta também é uma das propaladas virtudes da arbitragem, o segredo, a privacidade, o sigilo. Então, pode ter acontecido e não estamos sabendo. Mas pelo menos questionado judicialmente ainda não há.

SM: Qual a sua visão sobre esse método?

JDM: Minha opinião pessoal sobre o assunto, como está posta, é que é uma catástrofe para as demandas individuais. Os trabalhadores vão amargar uma perda de qualidade de direitos, porque uma vez submetido a uma arbitragem, subscrevendo uma cláusula compromissória, aconteça o que acontecer em uma relação de trabalho, obrigatoriamente o trabalhador só poderá reclamar perante o juiz arbitral. A demanda dele nunca poderá ser julgada pela Justiça do Trabalho, salvo ele consiga anular a cláusula compromissória, o que também parece uma coisa complicada.

Fotos: Tatiana Lima

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