Sentados sobre um barril de gasolina
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Sentados sobre um barril de gasolina

27 de maio de 2018
Sentados sobre um barril de gasolina

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Não podemos deixar de admitir que, nos últimos dias, a frase que mais vem às cabeças daqueles que foram contra o golpe de 2016 é: “quem ri por último ri melhor”. A paralisação dos caminhoneiros autônomos e o lockout das empresas de transporte de cargas, motivada pela política neoliberal do governo golpista, que transformou uma empresa estatal numa empresa que atua com a lógica de uma empresa privada, ignorando seu papel de reguladora da economia brasileira, fez a classe média e as elites que apoiaram o golpe ficarem sem ter o que dizer, todas fazendo que o caso não era com elas. Nenhum coxinha, amarelinho, patinho ou paneleiro apareceu nas ruas para apoiar a manifestação que levou pânico aos lares, com a ajuda luxuosa do sensacionalismo da cobertura da Rede Globo, que rapidamente provocou o desabastecimento de alimentos, de medicamentos e, principalmente, de combustíveis. Os próprios caminhoneiros e empresários de empresas de carga, que realizaram paralisações contra o governo Dilma, quando a gasolina custava R$ 2,70 e o óleo diesel também estava abaixo dos R$ 3,00, ajudando a criar o clima para legitimar o golpe, agora choram pelas redes sociais dizendo que não estão podendo criar seus filhos.

A Petrobras, que vem sendo usada como instrumento para a preparação do golpe, desde que a corrupção na empresa serviu de pretexto para a instalação da operação Lava Jato, claramente urdida para atingir o PT e levar Lula para a cadeia, está sendo submetida aos interesses privados e internacionais. O brilhante comandante do apagão elétrico no governo FHC, Pedro Parente, foi colocado na direção da empresa e desde então vem desmontando-a passo a passo, na direção de sua privatização. Tratando-a como uma empresa privada, colocando em cargos de direção representantes das petroleiras internacionais, reduzindo a produção nacional de combustíveis para importar das empresas estrangeiras, acabando com a política de compras voltada para as empresas nacionais, leiloando seus ativos, incentivando com um Programa de Demissões Voluntárias que técnicos qualificados, que a empresa levou anos para formar, deixassem a empresa, entregando partes da exploração do pré-sal para as concorrentes, vem paulatinamente destruindo um patrimônio que se levou anos para se constituir.

Com a queda da produção de combustíveis no país, com a crescente importação de derivados de petróleo, somadas a alta dos preços do barril de óleo cru e a alta do dólar, a empresa iniciou uma política insana de aumento dos preços dos combustíveis. O preço do botijão de gás de cozinha passou a ser reajustado mensalmente, tendo subido mais de 50% nos dois anos do governo golpista. Hoje, muita gente está voltando a consumir lenha e carvão, ameaçando ainda mais nossas matas e florestas de destruição. A gasolina e o óleo diesel passaram a ter aumentos praticamente diários acompanhando as variações do preço do barril de petróleo e as variações cambiais. Os pobres e a classe média que haviam adquirido carro durante o governo Lula não estão conseguindo mantê-los rodando e o transporte de cargas vem se tornando inviável economicamente. Atrelar reajuste de combustíveis ao câmbio é uma política que mostra a total falta de preocupação social do governo dos golpistas. Como diz Pedro Parente, e todo dia comemora Miriam Leitão, a comentarista de economia da Globo, a Petrobras sob esse governo pensa nos acionistas e não nos consumidores. Ainda têm a cara de pau de acusar os governos do PT pelo descalabro que essa política vem causando. A Petrobras nunca deixou de ser lucrativa nos governos petistas, nunca esteve tão bem financeiramente, mesmo fazendo uma política de preços que levava em conta seu papel como principal empresa da economia brasileira e o fato dos preços dos combustíveis serem fundamentais para se controlar a inflação e para permitir o consumo dos derivados de petróleo pelas camadas populares.

No entanto, creio que nós que estivemos na luta contra o golpe, que estivemos e estamos em luta em defesa da democracia, do Estado democrático de direito, temos mais a temer do que a comemorar com essa paralisação dos transportes de carga. Primeiro é preciso lembrar que esse movimento, embora esteja sendo chamado de greve dos caminhoneiros, está mais para um lockout de patrões do que para uma paralisação de trabalhadores. Por trás de tantos caminhões parados nas rodovias brasileiras estão os interesses dos patrões e empresários do setor de transporte de cargas que estão tendo seus lucros estrangulados pela política de preços dos combustíveis. Temos que lembrar que esses senhores foram entusiastas defensores do golpe, chegando a ameaçar parar o país para que a presidente fosse retirada do cargo. Em muitas páginas nas redes sociais vemos pretensas lideranças desse movimento clamando pela intervenção militar, pela instalação de um governo de força no país. Quem é de esquerda não pode embarcar no apoio a um movimento de patrões ressentidos e reacionários que, vendo frustradas suas esperanças com o golpe que apoiaram, podem facilmente vir a se tornar um apoio para um rompimento com o Estado democrático e pretexto para a intervenção de forças que temem a realização de eleições livres em outubro, dada a total falta de competitividade dos candidatos da direita e a inconteste e crescente liderança de Lula nas pesquisas, mesmo depois de ter se tornado um preso político do Dr. Moro.

Quem tem memória ou estuda história sabe que lockout do setor de transportes serve sempre para que forças obscurantistas tomem o poder. Foi assim em 1933, em Berlim, quando uma paralisação do setor favoreceu a vitória dos nazistas nas eleições e a ascensão de Hitler ao poder. Um lockout do setor de transportes foi fundamental para criar o clima de caos que favoreceu a legitimidade do golpe de Pinochet no Chile e a derrubada de Salvador Allende. A atuação das organizações Globo, criando o clima de caos, incentivando uma corrida a supermercados e postos de combustíveis deve deixar todos nós com a pulga atrás da orelha. Sabemos do DNA golpista da organização dos Marinho, ela cresceu, se sevou e se tornou esse gigante de mil tentáculos que infelicita e prejudica constantemente o país, na defesa de seus interesses empresariais, graças ao apoio inconteste que deu ao golpe de 1964 e a ditadura militar. No momento em que a democracia tem submetido a Globo a um desgaste crescente de imagem junto a população (equipes de reportagens da emissora são constantemente expulsas de manifestações, inclusive dos próprios coxinhas) dada sua descarada parcialidade, no momento em que a democracia permite que o país saiba das tenebrosas transações em que andou envolvida, como no caso da Fifa, por exemplo, da distribuição de propinas para ter o domínio sobre o futebol brasileiro, inclusive sobre a transmissão dos jogos da seleção brasileira, tudo o que os Marinho podem desejar é um governo de força, que censure a concorrência na internet de blogs e sites que vem reduzindo sua audiência e sua influência na formação da opinião pública.

Não me parece mera coincidência que a crise dos transportes e a participação da Globo colocando gasolina onde faltava, tenha coincidido com a aprovação pelo Senado, no último dia 24 de maio, das regras para a eleição indireta do presidente da República pelo Congresso Nacional, em caso de vacância do cargo, um projeto do notório ruralista golpista Ronaldo Caiado, que estava dormindo nas gavetas da Casa desde quando foi apresentado ainda antes de Eduardo Cunha dar início ao processo de impeachment da presidenta Dilma. Sabemos que coincidências na história não acontecem por acaso. Podemos estar diante de mais uma grande armação das mesmas forças que prepararam e organizaram o golpe de 2016 para que não ocorram eleições em outubro, para a ocorrência de um golpe dentro do golpe. É público e notório que o golpe de 2016 é um fracasso político, administrativo, econômico, social, financeiro. Os golpistas estão submetidos a tal desgaste político que a chances eleitorais de qualquer um que pretenda os representar ou que do golpe tenha participado são praticamente nulas. O quadro eleitoral que está polarizado entre as figuras de Lula e Bolsonaro (um homem de extrema direita, despreparado e de difícil controle, uma incógnita que amedronta muita gente), vem se tornando cada vez mais favorável ao petista à medida que a memória do sucesso de seu governo vai se tornando mais viva com o descalabro do governo golpista e de sua política desastrada que só beneficia os mais ricos. Mesmo a prisão do ex-presidente e o impedimento de que venha a concorrer às eleições não garante que ele não termine por transferir para outro candidato os seus votos e levar o PT ou outro partido de esquerda ao poder. Mesmo as candidaturas de Ciro Gomes e Roberto Requião, que podem vir a se viabilizar com a saída de Lula do páreo, não agradam as forças internacionais e nacionais que patrocinaram o golpe.

O decreto de Garantia da Lei e da Ordem em todo território nacional, assinado ontem por Temer, para reprimir o movimento no setor de transportes, me parece mais um episódio em uma escalada crescente de alijamento do país da normalidade democrática, que se iniciou com o golpe e que vem sendo aprofundado por cada medida de força que um governo fraco e impopular, manchado pela corrupção e pela incompetência administrativa, vem tomando para se manter de pé. Ao invés de rir por último e comemorar a cara de bundão dos coxinhas encalacrados em intermináveis filas nos postos de gasolina, temos que ficar preocupados e alertas diante do crescimento do arreganho de dentes das forças obscurantistas e antidemocráticas atuantes no país. O apelo a ordem e a segurança costuma calar fundo em amplas parcelas da população brasileira que foram e são educadas em um país de cultura autoritária e de pouco apreço à democracia, notadamente no que ela significa de conflito e de competição, de convivência com a discrepância e com a divergência. O segundo apelo às Forças Armadas, em menos de um ano, para resolver questões banais de administração e que requer, numa democracia, habilidade política e instituições fortalecidas e legitimadas para a negociação dos interesses em conflito, mostra que o golpe vem destruindo as bases institucionais do funcionamento do próprio sistema democrático e nos encaminhando para o encontro com um regime e um Estado de exceção.

A falta de prestígio das instituições, que se desmoralizaram com a sua participação na trama golpista, não deve nos alegrar mas nos preocupar enormemente. Que o Legislativo tenha saído desmoralizado daquela vergonhosa votação de abril de 2016, que de lá para cá, com as duas absolvições seguidas que deu às denuncias de crimes contra Temer e seus asseclas, tenha deixado claro que a luta contra a corrupção foi um mero pretexto para retirar do poder um governo que seus financiadores de campanha no meio empresarial não apoiavam, não deve nos alegrar, pois uma democracia depende do funcionamento de um poder Legislativo forte e legítimo. Se o Supremo Tribunal Federal se calou diante do golpe, se nada fez para impedi-lo, se alguns de seus membros dele participou ativamente tomando medidas judiciais, como a proibição de Lula assumir a Casa Civil graças uma decisão do notório Gilmar Mendes, se os estapeamentos verbais entre seus membros via TV mostra o nível ético e o estatuto pessoal de suas excelências, se alguns votos mostram o despreparo jurídico e a parcialidade política de alguns de seus componentes, se as decisões da Casa têm sido implacáveis com certos partidos e com outros nem tanto, se a presidência do STF senta em cima de Ações Diretas de Inconstitucionalidade que podem beneficiar o ex-presidente Lula e tirá-lo da cadeia para que não sejam votadas, se a Casa não se ruboriza em dividir espaços com o Presidente que ao mesmo tempo processam, devemos ficar preocupados, pois o funcionamento da democracia exige o contrapeso entre os três poderes e um Judiciário que se atém a observância das leis e da Constituição.

A preparação de um golpe dentro do golpe pode estar se dando porque um dos grandes heróis e paladinos do golpe, o juiz Sérgio Moro, e todos os membros da força tarefa da Lava Jato, vêm rapidamente sendo desmascarados e perdendo popularidade. A Rede Globo após apostar na candidatura de um Geraldo Alckmin que, flagrado definitivamente atolado na corrupção de todo o PSDB, parece ter sido abandonado na beira da estrada (para lembrar frase do chamado Paulo Preto, o homem bomba dos tucanos, gasolina pura, prestes a explodir, que só não o fez ainda por causa de mais uma habeas corpus salvador dado pelo tucaníssimo Gilmar Mendes), apostou em uma candidatura da casa, mas Luciano Hulk tinha muito a perder, muito rabos de palha, muita proximidade com o agora execrado Aécio Neves, o herói dos coxinhas, o iniciador do golpe e que, como muitos, foi tragado por ele, e desistiu. Vendo sua última esperança derreter, pois Moro, segundo última pesquisa Ipsos/Estadão é desaprovado por 50% dos entrevistados, bem próximo dos 52% que desaprovam Lula, (sendo que Lula está em viés de alta, vendo sua aprovação subir a cada pesquisa, enquanto Moro está em viés de baixa, é cada vez mais desaprovado pela população que o vê como um juiz parcial, à medida que posa despudoradamente junto a candidatos tucanos, tem viagens financiadas por empresas ligadas ao tucanato e não se interessa por ouvir o depoimento de certas pessoas que podem não só incriminar os tucanos, como a sua própria atuação parcial e ao arrepio das leis) a organização dos Marinhos pode estar participando de uma conspiração para evitar a realização de eleições.

A desmoralização da política, dos partidos políticos e da própria presidência da República, levada a efeito pelo governo golpista, por um presidente fantoche dos interesses empresariais mais mesquinhos e dos interesses americanos lesivos ao país, pode criar o vácuo de poder perfeito para mais uma aventura autoritária no país. Estamos literalmente sentados sobre um barril de gasolina, temos que ter muito cuidado, estarmos atentos e denunciarmos mais essa tentativa de retirar do povo brasileiro o direito de escolher os seus governantes. Nossas elites nunca titubearam em sacrificar a democracia em nome da defesa de seus interesses corporativos e de classe, sempre em nome da defesa da própria democracia, um cinismo, e do combate a corrupção, estando entre eles os maiores corruptos ou corruptores. Não interessa aos que defendem a democracia e o funcionamento regular das instituições, que defendem os interesses nacionais e dos trabalhadores, que possuem consciência social embarcar nesse caminhão desgovernado que ameaça nos atropelar a todos. As forças democráticas precisam unidas tomar o volante dessa carreta sem freios que vem se tornando o processo político brasileiro, sob pena de sofrermos um atropelamento coletivo, com muitos casos de morte, como em tantos momentos da história desse país. Ao invés de rir com o fogo e o atiçar mais ainda, devemos exercer a sabedoria da negociação e da mobilização política para extinguirmos esse incêndio que ameaça transformar as conquistas democráticas de décadas em cinzas. Mesmo nos sentindo vingados e portando por dentro um riso de satisfação por ver os golpistas atropelados pela carreta desgovernada a que deram partida, devemos agir como bombeiros e não como pirômanos, devemos nos apresentar como as forças políticas capazes de mediar conflitos e oferecer um projeto alternativo de país, apontar caminhos, abrir uma outra estrada para que esse país não saía definitivamente dos trilhos da democracia.

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