Sobre a mediação editorial
Natal, RN 25 de abr 2024

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4 de outubro de 2019
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Creio que pouca gente sabe que o genial Lima Barreto, além de romancista, contista e cronista, também se meteu um dia na aventura de editar uma revista literária. Trata-se da Floreal, publicação que não ultrapassou os quatro números iniciais, mas que, graças à Biblioteca Nacional, encontra-se disponível para o grande público. Na primeira edição de sua revista, de 25 de janeiro de 1907, assim se pronunciou o autor de Os Bruzundangas:

Não é sem temor que me vejo à frente desta publicação. Embora não se trate do Jornal do Commercio nem da Gazeta de Pekin, sei, graças a um tirocínio prolongado em revistas efêmeras e obscuras, que imenso esforço demanda a sua manutenção e que futuro lhe está reservado.

Que coisa mais atual! Eu, não só como pesquisadora da temática (o circuito do livro de modo geral e as publicações independentes, mais especificamente), como também entusiasta dessa empreitada (em Fortaleza, integro um “grupo de afinidades” (ir)responsável pela Revista Pindaíba), sei bem das delícias mas sobretudo das dificuldades que é manter uma publicação periódica.

Em Natal não é diferente. Desde a criação do jornal O Natalense, em 1832, a capital potiguar viu desfilar uma série de impressos de intensidade longa, mas de fôlego curto, dentre os quais podem ser citados a célebre “Via Láctea” de Palmyra e Carolina Wanderley ou “O Canguleiro” do querido João Gothardo Dantas Emerenciano, vulgo Joãozinho de Dagmar. Até mesmo (?!) o Beco da Lama já teve sua publicação periódica, que foi O Beco, tendo à frente de sua edição Eduardo Alexandre, o Dunga, o mesmo agitador-idealizador da Galeria do Povo que fez e aconteceu na Praia do Meio lá pelos anos de 1980.

O que faz um editor?

Estou cada vez mais apta a crer que um editor é mais que um “descascador de abacaxis”: um editor é um co-autor. O leitor em geral de um texto impresso (seja de um exemplar de uma enciclopédia mundialmente conhecida ou de um fanzine de minúscula tiragem) não faz ideia de todo o processo implicado até esse texto chegar em suas mãos. Roger Chartier e Robert Darnton já escreveram demais sobre isso, mas não custa lembrar: da compra de papel, passando pelo cont(r)ato com inúmeros agentes (revisores, tradutores, diagramadores, compositores e gráficos, livreiros, donos de sebo ou bancas, resenhistas e jornalistas para divulgação e, claro, patrocinadores), até finalmente chegar à leitura, o circuito de impressos demanda uma série de ações e mediações de produção, distribuição/circulação e consumo cujo sujeito de papel tão importante quanto o próprio autor do texto é o editor. Não à toa, Victor H Azevedo, um dos nomes por trás do selo editorial Munganga, revelou para mim, que ando pesquisando sobre autores-editores em Natal: “queria ser a banda de um homem só”.

Talvez por isso as publicações impressas e periódicas sejam cada vez mais escassas em Natal. Além das facilidades que os meios digitais oferecem (criar e manter um site ou blog suprime muitas das fases do circuito acima descrito), editar um jornal e/ou revista, de caráter impresso e periódico, custa tempo, dinheiro e, certamente, muita paciência. Considero, por isso, que esses aventureiros que se atrevem a ser não só poetas, contistas e romancistas, mas também ousaram criar seus selos editoriais e suas próprias publicações, têm um tanto de heroísmo, talvez quixotesco, sim, mas talvez também, por isso mesmo, grandioso.

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