Sobre as políticas de silenciamento
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Sobre as políticas de silenciamento

17 de maio de 2018
Sobre as políticas de silenciamento

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Nesta semana, acompanhei mais uma polêmica naquele espaço que Tom Zé cantou “Tribunal do Facebook”. Desta vez, tratava-se de uma charge de Rodrigo Brum sobre o projeto “Escola sem Partido”. Uma pessoa postou a charge publicada originalmente na Tribuna do Norte e acrescentou o seguinte comentário que reproduzo textualmente:

“Ao contrário do que ele insinua em seu criativo desenho, o E.S.P. não visa "calar o professor", mas sim fazê-lo respeitar os alunos em suas convicções políticas, e que só abra a boca para dar aula, conforme é pago. Sala de aula não é palanque pra doutrinação político-ideológica.”

A charge de Brum que criou a enésima polêmica no tribunal do Facebook

A charge em questão merece duas reflexões. A primeira é sobre o caráter subversivo desse gênero discursivo. Há mais de dois séculos, a charge, na sua condição humorística, implica tomada de posição e, sobretudo, posicionamentos questionadores em relação aos lugares oficiais de poder. Evidentemente, nem toda charge (assim como o humor) é necessariamente revolucionária, mas, pelo seu caráter polêmico, funciona como uma possibilidade efetivamente democrática, chance para o debate de ideias, e faz valer a característica da linguagem apontada por Bakhtin de ser, efetivamente, “arena de vozes sociais”.

No Rio Grande do Norte, aliás, já temos alguns casos em que chargistas sofrem algum tipo de perseguição por conta de seu trabalho autoral. Tod@s lembramos a demissão de Amâncio ou os ataques verbais de que foi vítima Ivan Cabral (quem tiver curiosidade sobre o tema, pode consultar, na biblioteca da UFRN, a tese de doutorado de Jociane Silva Ferreira).

A charge de Amâncio rendeu-lhe uma demissão

Mas falemos sobre a segunda reflexão suscitada a partir do comentário do internauta. O trecho específico, bastante autoritário, em que ele diz que o professor “só abra a boca para dar aula” revela muito sobre o recrudescimento dos tristes ares fascistoides destes tempos. Todos sabemos que o fascismo não se estabelece por meio da discussão coletiva popular, mas se impõe aos poucos e por meio de canais e discursos legais. A lei da mordaça é, portanto, a lei para o fascista padrão.

Eu pergunto: para que serve uma aula? Mais do que oportunidade de (re)formulação de conteúdos específicos de um determinado campo de saber, o espaço da sala de aula pode e deve ser palco para aprendizagens múltiplas, descobertas inúmeras de fatos e acontecimentos que estão para além do mundinho pequeno e imediato de nosso quintal.

Para finalizar, é preciso não cair também no engodo da “neutralidade” ideológica. Aristóteles já faz tempo falou acerca da condição do ser humano de “animal político” e, sendo assim, não há como professores se manterem isentos. É como a condição do escritor – pode-se até não se escrever sobre política e partidos políticos, mas ainda assim, por sua escrita, assume-se necessariamente um lugar na guerra entre opressores e oprimidos. A História já nos deu várias mostras de que o movimento parece se repetir: primeiro os opressores oprimem criando uma lei como a “Escola Sem Partido” (nomezinho ridículo, aliás). Depois queimarão livros... Depois, o resto é silêncio...

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