Supermercado virou o shopping de parte da população (ou, o consumo como “fuga” do isolamento)
Natal, RN 20 de abr 2024

Supermercado virou o shopping de parte da população (ou, o consumo como "fuga" do isolamento)

4 de maio de 2020
Supermercado virou o shopping de parte da população (ou, o consumo como

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Segue aqui neste meu espaço das segundas-feiras mais uma crônica tendo como base o que observo e o que leio e ouço de amigos e amigas, sem qualquer base científica. Deixo os números exatos, dados precisos e tabulações aos especialistas, aqui sou um mero observador do mundo à minha volta.

E a observação de hoje tem a ver com supermercados. Ou melhor, com as pessoas nos supermercados. Para ser ainda mais exato, com a postura dessas pessoas. Vamos por partes.

Quando teve início o isolamento social, garantido por decretos estaduais e com aval da OMS e do senso comum,  quase todo mundo - eu, inclusive - correu para os supermercados para garantir, em menor ou maior escala, estoque de ítens essenciais para algumas semanas de confinamento em casa. Em todo o mundo, reportagens abordaram a compra maciça de papel higiênico, que esgotou em quase todos os estabelecimentos. Enfim, era o início do isolamento e ninguém tinha muita noção do que viria em breve.

Observando agora em Natal e região, passados quarenta dias do isolamento, descobrimos quase todos que os estabelecimentos de vendas, sejam os grandes supermercados, sejam os mercadinhos de bairro, não entraram em desabastecimento. Some-se a isso o fato de quem ninguém mais aguenta ficar em casa o dia inteiro e mais o fato de que natal não empilhar corpos (pelo menos não ainda) deu coragem para muita gente sair - com ou sem máscara - e se aventurar um pouco mais nos poucos lugares que estão abertos (shoppings, restaurantes e bares não estão, como se sabe). Esse somatório nos leva ao raciocínio seguinte:

Sem ter onde passear e consumir (shopping centers permitem as duas coisas), parte considerável dos natalenses elegeu os supermercados como válvula de escape. Precisa comprar mantimentos? Sim, o certo é ir ao supermercado. Vontade de andar e passear? Hummm... que tal ir ao supermercado e comprar aquilo que faltou da compra anterior? Bate papo? Experimente as filas dos caixas do supermercado e a seção de frutas e verduras. Lotérica para pagar contas que poderia ser pagas on line? Tem no supermercado.

Enfim, o supermercado substituiu o shopping center e de quebra virou terapia individual e coletiva.

E isso explica porque eles estão sempre lotados, a julgar pelo que amigos e amigas dizem e mostram em grupos de Zap e postagens em redes sociais.

Nas últimas duas vezes que fui a supermercado - Supercoop e Favorito, ambos na Avenida Ayrton Senna - em duas semanas, testemunhei exatamente isso: lotação, pessoas querendo bater papo em fila e nas seções, pouco respeito a distanciamento e gente andando pelos corredores no estabelecimento que mais parecia estar espairecendo do que propriamente escolhendo produtos, como se não houvesse amanhã (e, neste  diapasão, talvez não haja!).

Não pretendo ser a cassandra ou o crítico azedo de tudo, eu mesmo quando saio - coisa rara - aproveito ao máximo cada minuto, a sensação inevitável, é de querer ficar um pouco mais.

Porém, essa construção coletiva de que podemos todos substituir shoppings e passeios de consumo por supermercados, poderá se tornar apenas uma política de "cobrir um santo para descobrir outro".

Percebo os donos dos estabelecimentos preocupados em seguir as diretrizes do decreto do Governo do RN e as normas de bom senso da OMS; Caixas estão protegidas por vidros, álcool em gel à disposição dos clientes, cartazes indicados as normas básicas de segurança.

O problema está mesmo é na população, nas pessoas que vão lá (muitas com a intenção aqui listada, mais de "desopilar" do que de fazer compras). E, eu iria ainda além, de forma totalmente empírica e pessoal: o problema está muito concentrado naquele velho e ultra-citado perfil, o do homem-branco-hétero-cinquentão-classe média, que se acha imune a tudo e quer opinar sobre tudo em qualquer lugar e em qualquer hora. Esse foi meu tema aqui na coluna na segunda-feira passada. Esse perfil, que é quem mais anda sem máscara ainda, na minha percepção, é quem dificulta ainda mais a situação em uma fase delicada para todo mundo.

Estamos todos entre o medo e o tédio, a desesperança e a necessidade de achar soluções para o problema. Mas, não é se arriscando e arriscando o coletivo que sairemos dessa.

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