Tentar ganhar no grito é estratégia de quem não tem razão
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Tentar ganhar no grito é estratégia de quem não tem razão

8 de dezembro de 2017
Tentar ganhar no grito é estratégia de quem não tem razão

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*Texto publicado originalmente em 22 de setembro de 2017

A ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra o Grupo Guararapes Confecções, na qual pede, dentre outras coisas, o reconhecimento da configuração de grupo econômico industrial entre a Guararapes e todas as facções de costura de vestuários que lhe prestam serviços, e o reconhecimento da responsabilidade solidária pelo cumprimento de todos os direitos e encargos sociais decorrentes dos contratos de emprego firmados pelas facções de costura, bem como a condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 37.723.000,00, foi a pauta da semana em nosso Estado.

A ação foi ajuizada em maio deste ano, encontrando-se em tramitação na 7ª Vara do Trabalho (Processo nº 0000694-45.2017.5.21.0007), depois de realizada inspeção em mais de 50 facções de costura, em 12 municípios, constatando-se que os empregados das facções recebem menor remuneração e têm menos direitos trabalhistas do que os empregados contratados diretamente pela Guararapes, inclusive quanto à saúde e segurança do trabalho.

Trata-se, portanto, de uma ação com fundamentação fática e jurídica, devidamente recebida pelo Poder Judiciário, tendo a empresa demandada amplo direito de defesa, para contestar e rebater as alegações do MPT.

O Ministério Público do Trabalho (MPT), para quem não sabe, é o ramo do Ministério Público da União que tem como atribuição legal, dentre outras, a de promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos.

No exercício de sua missão, o MPT vem, ao longo do tempo, promovendo a implementação de Direitos Sociais e contribuindo para a redução das desigualdades. Destaco aqui, como exemplos, a atuação contra o trabalho escravo e infantil, dignas de todo o elogio.

Ao exigir garantias de condições mínimas de trabalho, inclusive de segurança e saúde, e de demais direitos trabalhistas, o MPT, obviamente, nada mais fez do que cumprir a sua missão constitucional. Se assim não agisse, perderia a sua razão de existir.

Para se ter uma ideia da problemática, a Guararapes é ré, hoje, segundo nota da ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) em cerca de 300 ações individuais propostas diretamente por trabalhadores demitidos pelas facções que fecharam as suas portas, sem condições de pagar as verbas rescisórias. A dimensão coletiva do problema justifica a intervenção do MPT.

Contudo, apesar de estar tão somente exercendo as suas atribuições legais, a atuação do MPT despertou reações irrazoáveis vindas de vários lados.

Chamou atenção a reação agressiva do CEO (para usar uma palavra da moda) da empresa-ré, que em vez de rebater o alegado na ação, preferiu pessoalizar a questão, atacando de forma grosseira uma das Procuradoras do Trabalho que, junto com mais oito colegas, promoveu a ação. Chama mais ainda a atenção por se tratar de reação vinda do dirigente de um dos maiores grupos empresariais do país, que devia saber que atacar pessoas e instituições que estão exercendo as suas prerrogativas legais não é forma civilizada de se solucionar nenhuma demanda. Em um estado democrático de direito, é garantido a ampla defesa e o contraditório, o que, aliás, está sendo plenamente exercido pela empresa nos autos do processo supracitado, sendo assegurado ainda uma infinidade de recursos. Ao final, a Justiça decidirá.

Porém, o mais triste (mas não tão surpreendente) nesta história, foi ver, pelas manifestações na imprensa e nas redes sociais, que pouquíssimas pessoas e órgãos de comunicação tiveram a iniciativa de analisar os fundamentos jurídicos e os contornos fáticos constantes na Ação Civil Pública, e, provavelmente, sem terem lido sequer uma das 112 páginas da ação, ou procurado se informar junto ao MPT ou a DRT sobre o assunto, passaram a reproduzir o discurso do CEO da empresa, replicando, sem qualquer reflexão, feito papagaios, ataques ao MPT e, em particular, a Procuradora do Trabalho Ileana Neiva, uma das pessoas mais sérias e éticas deste estado.

A questão discutida na ação é matéria jurídica complexa, situação que exige, para uma discussão honesta, o conhecimento mínimo do assunto, o que somente pode ser feito conhecendo-se o processo e ouvindo os argumentos das partes envolvidas.

Obviamente que os empregos gerados no interior do nosso estado, mormente em momento de crise econômica e seca como a que vivenciamos, preocupam a todos e não podem ser desprezados, sendo, sem dúvida, o modelo do programa Pró-Sertão uma alternativa que pode ser interessante como fonte de desenvolvimento e distribuição de renda.

Todavia, o programa só tem sentido e sustentabilidade se os empregos gerados forem de qualidade, com perspectiva mínima de continuidade, sendo pressuposto o cumprimento da legislação trabalhista por parte dos que pretendem investir em nosso sertão. Se assim não for, há um claro rompimento com os valores sociais do trabalho, um dos fundamentos da nossa República. Passa a ser pura exploração de mão de obra barata.

A situação de desemprego que assola o nosso Estado não pode ser aceita como justificativa para se negar direitos básicos aos trabalhadores, parte mais fraca da balança, ainda mais em um programa bancado, em parte, com recursos públicos. O trabalhador, pela necessidade, pode até se submeter a essa mitigação de direitos, mas o Estado, através de suas instituições, jamais pode aceitar tal situação. Tem de agir.

A questão, portanto, é mais profunda, e não pode ser debatida como se fosse um ABC X América, na base do contra ou a favor. É preciso ir além dessa discussão rasa, medíocre, e buscar a essência do problema, que são os contornos jurídicos, sociais e econômicos que envolvem o tema.

Ataques pessoais ou a instituições nada resolvem e só revelam falta de argumentos ou o medo do debate. É legítimo discordar da Ação Civil promovida pelo MPT, faz parte da dialética jurídica, mas a contestação deve ser feita rebatendo-se com argumentos os fundamentos da ação, ponto a ponto. Querer ganhar no grito não funciona. O MPT seguirá cumprindo a sua missão. Atacar o mensageiro para desviar a atenção da mensagem é estratégia de quem não tem razão.

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