Tribuna do Norte no banco dos réus da história
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Tribuna do Norte no banco dos réus da história

24 de junho de 2020
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“Se uma epidemia social se desenvolver, estamos cientes de que os mecanismos de mercado não serão suficientes para prevenir o caos e a fome?”, pergunta o filósofo Slavoj Zizek em seu último livro, “Pandemia: covid-19 e a reinvenção do comunismo”. Zizek reflete que, na hipótese de um alastramento ainda maior da contaminação, é possível que medidas aparentemente comunistas se encontrem num contexto em que terão de ser aplicadas em nível global, com o gerenciamento da produção e sua distribuição alheia às leis do mercado, em regra encaradas pela vulgaridade liberal como obras da própria natureza.

Zizek cita a grande fome que acometeu a Irlanda, então colônia da Inglaterra, na década de 1840. Com as plantações irlandesas de batata comprometidas por uma praga, a metrópole inglesa decidiu manter a confiança nos mecanismos de mercado, de modo que a colônia continuou exportando alimentos mesmo enquanto sua população padecia. O saldo dessa escolha foi de um milhão de mortos pela fome, ao passo que outro milhão se viu forçado a deixar o país.

A Tribuna do Norte, em editorial do dia 23, quarta-feira, mostrou as razões pelas quais se consolidou como uma das principais correias de transmissão do bolsonarismo em terras potiguares. No texto, escancara sua adesão ao sofisma segundo o qual a economia não pode parar, pois “tais aterradoras situações exigem a compatibilização da preservação de vidas humanas com o relançamento da atividade econômica”. A cantilena prossegue exortando governantes e comerciantes a não se intimidarem com “ameaças disfarçadas de recomendações lançadas por alguns poucos promotores públicos”. Ataca, ainda, as medidas de isolamento, pois, já que não funcionaram, o jeito seria reabrir tudo. Sem surpresas, o governo federal é poupado, diferentemente do estadual. Não há qualquer referência às recomendações de fundo científico, tampouco às das autoridades sanitárias. Seguindo o roteiro do ex-capitão, lamenta a morte de CNPJ’s. Puro suco de bolsonarismo.

Em resposta, Rafael Duarte, editor-chefe da Agência Saiba Mais, realça o DNA empresarial do atual proprietário do ex-jornal dos Alves: “agora, legislando em causa própria, o jornal de Flávio Azevedo ignora que o Rio Grande do Norte atravessa o pico da pandemia e que todos os estados que decidiram flexibilizar as medidas de restrição social e reiniciaram a reabertura do comércio tiveram aumento dos índices de óbitos e de novos doentes”.

Rafael lembra ainda que Azevedo “ignora o básico da economia, que para consumir o cidadão precisa necessariamente estar vivo. Falando a língua de Azevedo, até ontem, segundo dados oficiais da secretaria de Estado de Saúde Pública, 750 consumidores desapareceram do Rio Grande do Norte. Essas pessoas, Azevedo, não vão comprar nunca mais nenhum produto em loja alguma no Estado”. Após a reabertura de shoppings em São Paulo, no último dia 11, lojistas se depararam com um baixíssimo movimento. O aluguel, contudo, voltou a ser cobrado. O que Azevedo, a CDL e a Fecomércio teriam a dizer sobre isso?

O editorial da Tribuna do Norte termina afirmando que “a história encontrará os culpados. E os condenará!”. Em momentos de morticínio, os considerados improdutivos devem ser deixados para trás, dizem os códigos da necropolítica, cujo conceito foi esmiuçado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe em ensaio de mesmo nome. Nela, o controle social passa a ocorrer também por meio da escolha de quem são os “matáveis”, cujo fim da existência, quando não é aplaudido, é tolerado.

Se o cálculo econômico, irracional mesmo segundo os parâmetros da acumulação capitalista, insiste que algumas vidas valem mais que outras, quem se cala passa a ser cúmplice da barbárie. A situação piora para aqueles que decidem assumir o papel de linha auxiliar do obscurantismo.

A história, festejada pela Tribuna como amiga íntima, já vem dando sinais sobre quem de fato sentará no banco dos réus.

* Gustavo Freire Barbosa é advogado e professor, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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