Vontade de chorar
Natal, RN 29 de mar 2024

Vontade de chorar

12 de maio de 2019
Vontade de chorar

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Sábado à noite. Passei lá em Toinha (minha mãe) depois de acompanhar a goleada do América sobre o xará pernambucano, demorei o tempo de sempre, e já estava no caminho de casa quando lembrei de Zé Reeira, uma passadinha não custa nada, pensei. Estacionei. O som tomou conta, de longe reconheci a voz forte de Ivando Monte, artista potiguar que, certamente, não é conhecido do grande público. Me acheguei. Alguns "gatos pingados", gente chegando e saindo mas, justiça seja feita, um grupo dançando, gostando, uma presença mínima para o talento desse cantor-compositor, letrista e músico dos melhores que conheço e, aí, sei lá porquê, triste, lembrei de Carlinhos Bem, me deu vontade de chorar.

Eu nem tenho direito de falar de música, conheço nada, mas me lembrei do Carlinhos Bem, do dia em que ele com aquele seu vozeirão, alá Elomar, cantou num festival da Tevê Assembleia e, acho, ficou numa boa colocação. Gostei da música, da sua voz, achei injusto ele não ter ganho o primeiro lugar. Depois, criando o hábito de andar pela Cidade Alta, coisa que nunca havia feito na juventude por conta de meu envolvimento (quase alienação) com o futebol, conheci o Carlinhos no sebo do  Ramos, o Balalaika, na Vigário Bartolomeu. Claro, o conheci superficialmente e, poucos dias antes de sua morte, o encontrei de novo, com seu jeito manso (agora sei que era muita tristeza) no mesmo sebo do Ramos. E saber depois dos motivos de  sua morte me deu um aperto no coração, uma tristeza danada. Nesta toada lembrei de outro artista sofrido, morrido, o fantástico Carlança, e me deu, de novo, vontade danada de chorar.

Todos os sábados, quase todos, acordava tarde, como ainda acontece, e ia tomar meu café no Beco da Lama para, depois, me chegar no Balalaika caçar clássicos e esperar Carlança chegar com seu violão, e dedilhar, encantar, ao mesmo tempo que dava suas mostras de turrice, mau humor. No começo, nem me cumprimentava, depois foi amansando e, parece, gostava da minha presença ouvindo, apreciando, elogiando sua música. Já disse, não entendo nada de música, mas não era preciso. Carlança era mágico e a cada sábado, intercalando com alguns encontros na semana, fui pegando uma certa intimidade, com direito até a pedir a ele para repetir o frevo que ele compunha, os amigos deram o nome de Frevo do Carlança, ele não queria, dava outro, mas ficou assim na minha cabeça. Uma música digna dos melhores mestres pernambucanos. Eu duvido que mais de cem pessoas a conheçam. Carlança que , morreu, se não igual, mas quase, ao abandonado e depressivo Carlinhos Bem. Sem controle, de novo, me bate essa vontade de chorar.

Quantos artistas potiguares você conhece? Quantas músicas de João Salinas, Mirabô Dantas, Ivando Monte, composições de Joca Costa, do maestro Franklin Novais, de Chico Bethoven e seu irmão Jubileu Filho, Kiko Chaves, Carlinhos Zens, Mingo Araújo e de mais uma dezena de maravilhosos músicos potiguares você já ouviu nas rádios? Quase nenhuma. Sim, sim, tem Pedrinho Mendes com sua Linda Baby, mas as outras cem lindas composições dele, você tem os Cds, DVDs? Duvido. E sem falar nos outros tantos que eu, ignorante, confesso, também desconheço ainda hoje no alto dos meus sessentas anos. O povo potiguar, como fico triste ao constatar  isso, é, na sua grande maioria, gente que não respeita sua gente, e que mal sabe quem é Glorinha Oliveira, Dodora Cardoso, Khrystal, Camila Masiso, Roberta Sá, Valéria Oliveira, Laryssa Costa e tantas outras maravilhosas vozes femininas de nosso rincão,  mas lota casas de shows, faz de tudo, gasta o que tem e o que não tem  para ver os famosos de ocasião com suas músicas de cafajestagem e cachaçada ou falando de carrões e muita grana. Me digam: não bate uma vontade danada de chorar, mesmo que de raiva?

Artistas sem vez. Que sina! Já pensaram, você cantar e saber que não escutam sua voz ? Saber que esses gestores boçais vão fazer, como sempre fazem, um joguinho de cena, vão se fingir de mecenas, de preocupado com cultura e arte. Vão lamber um beco, dourar algumas pílulas, vão ser bajulados por alguns idiotas e continuar a pagar cachês milionários, e à vista, para cantores estrangeiros nas nossas festas maiores, ao mesmo tempo que choram miséria, muitas vezes demoram meses para quitar a dívidas de "merrecas" com os nossos. E se você perguntar onde nasceu Elino Julião, capaz deles não saberem.

E, infelizmente, são eles mesmo que vão continuar sem apresentar uma política de gestão verdadeira para amparar, sustentar, promover e apresentar, de verdade, às crianças da periferia, aos jovens, adultos e idosos (ainda é tempo) de todos os cantos de recantos de Natal quem faz música, teatro, cinema, literatura, quem promove, faz arte e cultura de verdade em nosso Estado. E aproveitando esse embalo de conhecimento para ensinar também para o povo potiguar, a importância, a  grandeza dele mesmo, povo potiguar, fazendo com que conheçam a vida e obra de nossos vultos históricos, também desconhecidos. E quem sabe assim diminua esse terrível complexo de vira-latas que sempre me provoca uma grande vontade de chorar.

Para encerar esse texto choroso de sábado triste, sei lá porquê , escolhi o poeta "Seu Mira". Outro que, vejam só, só um dia desses, graças ao meu "novo modo de vida" eu também conheci no Balalaika. Eu não vou falar da vida de Mirabô Dantas, nem do seu passamento, como vive, como mora esse grande artista potiguar de Areia Branca, claro, eu não tenho esse direito, ninguém tem, mas passo apresentar para vocês suas canções...isso posso, veja abaixo:

MIRABÔ - MARES POTIGUARES
1-Colando a boca no teu rosto (Mirabô/Capinan)
2-Mares potiguares (Mirabô/Capinan)
3-Teu amor (Mirabô/Paulo George)
4-A quem interessar possa (Mirabô/Nêumanne Pinto/Leandro G. Barros)
5-Viço (Mirabô/Claudio Leal)
6-Fado (Mirabô/Nêumanne Pinto/Leandro Barros)
7-Pra te esquecer (Mirabô/Mauricio Tapajós)
8-Estrela D'Alva (Mirabô/Capinan)
9-Toda mulher (Mirabô/Marcos Silva)
10-Nunca mais (Mirabô).

Pois bem, viram?  E os parceiros também? Mirabô mora em Natal, dias desses estava na luta para viabilizar um projeto junto a uma empresa dessas que faz propaganda de mecenas sem ser. Mirabô, que encontro quase todo dia na cigarreira do "Açoita", no Bar do Naldo, com livro publicado e tudo (às duras penas), mesmo com esse currículo, com o respeito que tem dos maiores músicos do Brasil,  nunca vai receber um convite, com cachê e promoção  à altura, para se apresentar, por exemplo,  no Teatro Riachuelo e nem, nos mesmos moldes, em eventos governamentais...É claro, essa constatação,  me dá uma vontade muito grande de chorar.

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